Descrição de chapéu Venezuela América Latina

Governo Lula muda tom e critica pela 1ª vez bloqueio a candidatura da oposição na Venezuela

Em nota, Itamaraty afirma que impedimento de registro de nome antichavista 'não é compatível com acordo de Barbados'

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Brasília e Buenos Aires

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mudou de tom e criticou pela primeira vez, nesta terça-feira (26), o bloqueio à candidatura da opositora Corina Yoris, nome escolhido pela principal força de oposição contra o chavismo nas eleições de julho na Venezuela.

Em nota, o Itamaraty disse que "acompanha com expectativa e preocupação o desenrolar do processo eleitoral" no país, marcando uma inflexão na postura até então adotada por Lula em relação ao regime do ditador Nicolás Maduro, de preservar o aliado sul-americano.

O presidente Lula com Nicolás Maduro durante conferência da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), em março - Ricardo Stuckert - 1º.mar.2024/Presidência do Brasil via Reuters

"O Brasil reitera seu repúdio a quaisquer tipos de sanção que, além de ilegais, apenas contribuem para isolar a Venezuela e aumentar o sofrimento do seu povo", afirma, por outro lado, o comunicado do Ministério de Relações Exteriores.

Ao menos outros sete países da América Latina já haviam expressado "grave preocupação" com o impedimento da candidatura nesta segunda (25), em uma nota conjunta de Argentina, Uruguai, Peru, Paraguai, Costa Rica, Equador e Guatemala. O Brasil decidiu aguardar o fim do prazo eleitoral para se pronunciar.

Nesta terça, a Colômbia, cujo governo de Gustavo Petro é amigável com o regime Maduro, também criticou os últimos acontecimentos e reiterou pedidos de que todas as partes cumpram o acordado entre ditadura e oposição. "Colômbia expressa sua preocupação com os recentes acontecimentos ocorridos por ocasião das inscrições de algumas candidaturas presidenciais", afirmou a chancelaria de Bogotá.

A professora universitária Corina Yoris seria a candidata da coalizão Plataforma Unitária, em substituição a María Corina Machado, que foi inabilitada para exercer cargos públicos por 15 anos pelo regime. María Corina venceu com folga as primárias da oposição no ano passado e era favorita nas pesquisas.

A aliança, porém, denunciou nesta segunda que foi impedida de incluir Yoris na disputa. "Fizemos todas as tentativas de inserir os dados e o sistema está completamente fechado para poder entrar digitalmente", afirmou Yoris em entrevista coletiva a horas do encerramento do prazo para as inscrições.

O Itamaraty afirmou que o impedimento "não é compatível com os acordos de Barbados" e "não foi, até o momento, objeto de qualquer explicação oficial", destacando que não há nenhuma decisão judicial contra a candidata.

O Acordo de Barbados foi um entendimento entre o regime de Maduro e a oposição, com mediação internacional, que permitiram a convocação das eleições deste ano. No entanto, houve recrudescimento da perseguição a opositores nos últimos meses, incluindo a inabilitação de Machado e a prisão de diversos críticos ao regime.

Corina Yoris, candidata da coalizão opositora na Venezuela, afirma em entrevista coletiva nesta segunda (25) que não conseguiu se postular - Ronald Penã/AFP

Há 20 dias, ao celebrar a definição de uma data para o pleito, Lula colocou em dúvida o comportamento da oposição venezuelana e fez um paralelo com Jair Bolsonaro (PL), sem citá-lo diretamente. "Se o candidato da oposição tiver o mesmo comportamento do nosso aqui [Bolsonaro], nada vale", declarou.

Ao ser questionado novamente por jornalistas a respeito da comparação, ele afirmou: "Eu só disse a vocês o que houve aqui nesse país. Eu fui impedido de concorrer às eleições de 2018. Ao invés de ficar chorando, eu indiquei outro candidato e [ele] disputou as eleições", se referindo ao hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A fala gerou a reação de María Corina Machado, que escreveu no X: "Eu, chorando, presidente Lula? Disse isso porque sou mulher? O senhor não me conhece. [...] O senhor está validando os abusos de um autocrata que viola a Constituição e o Acordo de Barbados que o senhor diz apoiar".

Maduro aspira iniciar um terceiro mandato que o levaria a completar 18 anos no poder, quatro a mais do que somava seu antecessor e padrinho político, Hugo Chávez, ao morrer em 2013.

Com a crise econômica e humanitária que se instalou nos últimos anos, porém, ele foi perdendo apoio popular. Diferentes pesquisas de opinião publicadas por meios independentes do país indicam que sua rejeição hoje chega a cerca de 80% da população, por isso ele tenta encurralar os adversários.

Diante do bloqueio a Corina Yoris, a Plataforma Unitária (PUD), aliança opositora de María Corina, registrou Edmundo González Urrutia como nome do grupo, mas inscrito pela Mesa da Unidade Democrática (MUD), absorvida pela PUD. Segundo a aliança, no entanto, o nome de Urrutia é provisório, e busca apenas garantir representação da força no pleito até que consiga "inscrever sua candidata por direito".

Fora Urrutia e mobilização da PUD, o principal rival de Maduro nas eleições de julho deve ser Manuel Rosales, considerado o nome mais "palatável" ao regime dentro da coalizão opositora. Ele foi registrado poucos minutos antes do fim do prazo para as candidaturas, à meia-noite desta segunda.

Rosales é figura conhecida na política venezuelana. Atualmente é governador de Zulia, um estado de grande produção de petróleo na fronteira com a Colômbia. Ele enfrentou Hugo Chávez (1954-2013) nas eleições presidenciais de 2006, quando o líder socialista estava no auge da sua popularidade.

O Itamaraty destacou que 11 candidatos de oposição, incluindo Rosales, se registraram. "O Brasil está pronto para, em conjunto com outros membros da comunidade internacional, cooperar para que o pleito anunciado para 28 de julho constitua um passo firme para que a vida política se normalize e a democracia se fortaleça na Venezuela, país vizinho e amigo do Brasil", afirma a nota.

Os outros dez nomes, porém, são considerados "alacranes", termo local para colaboradores do regime.

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