Descrição de chapéu Venezuela América Latina

Opositor de Maduro diz que Lula relativiza dor dos venezuelanos ao negar ditadura

Para Leopoldo López, protagonista de levante ao lado de Juan Guaidó em 2019, petista 'não ajuda' região com falas do tipo

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São Paulo

"É preciso chamar as coisas pelo nome. Está claro que o que deve ocorrer na Venezuela no dia 28 de julho não será uma eleição." A declaração é de Leopoldo López, 52, figura de expressão da oposição venezuelana preso nas manifestações de 2014 e protagonista de um levante, ao lado de Juan Guaidó, em 2019.

Desde 2020, ele —que ainda é presidente do partido Voluntad Popular— vive entre Madri, onde está sua família, e Washington, onde participa do World Liberty Congress, uma aliança de dissidentes de 56 nações que vivem regimes autoritários.

O opositor venezuelano Leopoldo López durante entrevista coletiva em Washington, nos Estados Unidos
O opositor venezuelano Leopoldo López durante entrevista coletiva em Washington, nos Estados Unidos - Saul Loeb - 12.mar.2024/AFP

Impedido de voltar a seu país, López acompanha de longe esses dias tensos de inscrições de candidatos que pretendem enfrentar Nicolás Maduro no pleito.

O prazo vai até segunda-feira (25), mas o regime inabilitou os principais candidatos que poderiam desafiar o chavismo, descumprindo um trato que havia firmado com a oposição visando a eleições livres.

María Corina Machado, que venceu as primárias da oposição, por exemplo, foi declarada inelegível por 15 anos. Na sexta-feira (23), ela indicou Corina Yoris como sua possível substituta, mas afirmou que ainda tentará insistir em sua inscrição até o fim do prazo.

Leia trechos da conversa de López com a Folha, por telefone.

O sr. considera que o Acordo de Barbados está morto?
Maduro evidentemente não está cumprindo o que foi assinado. Havia ali duas orientações concretas: um processo eleitoral claro e com regras justas. E Maduro propôs um cronograma eleitoral opaco, onde as regras vão mudando. Imagine jogar uma partida de futebol na qual, no meio do jogo, as regras estão sendo mudadas?

É isso que o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) está fazendo neste momento. Tira partidos da disputa, coloca outros, muda os requisitos de como os candidatos devem se inscrever e os inabilita.

Isso é o contrário do que havia sido estabelecido em Barbados. O coração desse acordo era que Maduro não escolheria seu adversário. E ele apenas [fez o contrário disso e] reafirmou que a nossa candidata, María Corina Machado, eleita nas votações primárias, não poderá disputar a eleição.

A Venezuela parece presa num círculo vicioso. Há protestos, o regime concorda em negociar com a oposição, promete eleições livres, e depois faz tudo diferente. A eleição é manipulada, e sempre ganha o chavismo. Aí a população vai às ruas novamente, o regime promete dialogar mais uma vez e assim por diante. Essa eleição segue o mesmo padrão?
Tem sido de fato assim. Mas note que estamos lutando e nos levantando sempre. E eu diria que o que está marcado para 28 de julho, por ora, não pode ser chamado de "eleição". Vi vários veículos de imprensa internacionais chamando o que ocorreu na Rússia de "eleição". Não se deveria normalizar o que está claro que é algo armado. O mesmo está ocorrendo com a Venezuela.

Mas ainda assim creio nos venezuelanos, em sua capacidade de ir às ruas protestar e mostrar sua insatisfação como ocorreu tantas vezes. Em 2013, quando Maduro roubou a eleição de [Henrique] Capriles; em 2014, nas manifestações dos estudantes; em 2016, quando impediram a Assembleia Nacional [de maioria opositora] de realizar sessões dentro do Palácio Legislativo; em 2017, no plebiscito para a Assembleia Nacional Constituinte; e em 2019, no apoio a Juan Guaidó.

Não me surpreende que agora possa haver uma nova onda de reação, como a que ocorreu na semana passada em Cuba.

É importante não desistir, e os venezuelanos sempre se mobilizaram. As pesquisas indicam que mais de 80% da população rejeita o regime. Mas há uma longa história de autocratas que usam eleições para criar uma fachada [de democracia]. E é preciso ficar atento, principalmente aos meios de comunicação, que devem chamar as coisas por seu verdadeiro nome.

Este processo não é uma eleição, porque não é justa nem livre. Maduro quer criar uma ilusão. Mas ainda pode acontecer muita coisa até segunda-feira.

O que o sr. tem achado do posicionamento do governo Lula em relação à ditadura? Suas declarações recentes sobre a Venezuela têm impacto na tentativa de implementar uma transição democrática no país?
Não vem ajudando a Venezuela e tampouco está ajudando o Brasil ou a região.

O presidente do maior país da América do Sul deve defender que a região tenha democracias robustas. Precisa saber que 8 milhões de venezuelanos saíram do país nos últimos anos. Precisa saber que a economia venezuelana colapsou e que a Venezuela, em termos de pobreza, só é comparável ao Haiti. Que há uma crise humanitária denunciada inúmeras vezes por vários órgãos de direitos humanos.

O que o sr. pensa de declarações dele como a de que a Venezuela tem um problema de "narrativa", ou quando insultou María Corina [acusando-a de 'ficar chorando' ao ser barrada das eleições]?
Quando Lula diz que a questão venezuelana é só um problema de narrativa, está insultando os venezuelanos que estão sofrendo.

É como dizer-lhes que seu sofrimento não é de verdade. E é ignorar que a tragédia humanitária é uma consequência da destruição da economia que, por sua vez, é uma consequência da destruição da democracia. Isso é a realidade, não é uma narrativa. É um comentário de um político a outro político, ensinando-o como enganar ou manipular.

O modo desrespeitoso com que tratou María Corina, burlando-se de uma mulher, é para ser rejeitado por toda a comunidade internacional. Maduro destruiu as instituições na Venezuela, e Lula deve lembrar que foram justamente as instituições democráticas do Brasil que permitiram a ele passar pela inabilitação e pela prisão e hoje poder ser presidente.

O que nós queremos é ter essa mesma oportunidade.

E o papel de Gustavo Petro, presidente da Colômbia, que também tem sido suave com Maduro?
Petro tem sido parte das decepções também, afinal a Colômbia é o país que mais recebe nossos refugiados.

Quando ele foi destituído do cargo de prefeito de Bogotá, em 2013, e inabilitado, recorreu à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), que declarou que a punição era indevida. A Colômbia acatou a decisão e Petro foi reconduzido ao cargo. Pode ser presidente hoje por causa disso.

No meu caso, fui inabilitado em 2008 e também levei meu caso à CIDH. Em 2012, a corte também decidiu a meu favor, mas Hugo Chávez ignorou essa decisão.

Petro não deveria ficar calado ante a inabilitação de María Corina por questões ideológicas. Deveria defender que caíssem as inabilitações de opositores. Do contrário, parece que não se lembra que ele mesmo passou por isso.


Raio-X | Leopoldo López, 52

Nascido em Caracas, teve seu primeiro cargo público em 2000, quando foi prefeito do distrito caraquenho de Chacao por dois mandatos consecutivos. É o coordenador nacional do partido Voluntad Popular e esteve preso de 2014 a 2019, acusado de incitar a desordem pública.

Em 2020, escapou da Venezuela e passou a viver entre Madri e Washington. Participa do World Liberty Congress, que reúne opositores a regimes autocratas.

Formado em economia, com mestrado em Harvard, é casado com a ativista Lilian Tintori, com quem tem três filhos.

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