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Beatriz Cardoso e Alexsandro Santos

Por uma agenda consistente na alfabetização

MEC adota postura obtusa e tratamento superficial

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Alunos em escola que utiliza o método fônico, em São Paulo - Fernando Donasci - 24.jun.11/Folhapress
Beatriz Cardoso Alexsandro Santos

Os resultados das avaliações são taxativos: apesar de avanços pontuais, a educação brasileira ainda vive uma crise de aprendizagem. Até aqui as ações deste governo se caracterizaram por um deserto de propostas de política educacional.

Sem apresentar à sociedade brasileira qualquer proposta sistêmica e consistente para os enormes desafios, o MEC preferiu lançar-se numa sequência de polêmicas pautadas por um discurso simplista, que se reduziu a defender a militarização das escolas, a “desideologização” da educação nacional contra os vícios da chamada esquerda e uma visão restrita do conceito de evidências.

É nessa conjuntura que uma escolha perigosa tem se delineado: o tratamento superficial e descuidado da política de alfabetização, reforçada no plano nacional lançado nesta quinta-feira (15). Retrocedendo a querelas do final do século 20, requentadas por interesses escusos numa “nova guerra dos métodos”, o MEC assumiu uma postura obtusa segundo a qual o Brasil deveria abandonar um conjunto plural e consistente de avanços teórico-metodológicos e didáticos, acumulados no debate científico nas últimas décadas, em favor de uma visão restrita e ingênua daquilo que tem sido apresentado como a bala de prata para resolver nossos problemas na área: o método fônico.

Qualquer professor alfabetizador com nível mediano de formação sabe que compreender a relação entre os sons e as letras é o coração do processo inicial de apropriação do sistema de escrita alfabético —e que essa relação deve ser explicitamente ensinada, de modo a permitir que as crianças a (re)construam e se apropriem dela. Entretanto, nossas crianças não podem ser entendidas como meras máquinas decifradoras e decodificadoras que deveriam apenas receber a programação adequada para associar sons e letras. Alfabetizar-se é muito mais: é habilitar-se, progressivamente, para participar da comunidade de leitores e escritores, e isso exige que elas compreendam, também, a função social da escrita e as diferentes práticas letradas em torno da língua.

Os defensores da proposta do MEC, que prioriza alocar recursos federais em programas pautados apenas pela abordagem fônica, afirmam ser essa a única solução “baseada em evidências”. Isso é uma falácia. As evidências científicas em torno de propostas construtivistas também são abundantes e robustas. E o campo de pesquisa especializado tem sido bastante responsável e efetivo em demonstrar que reconhecer apenas no método fônico um cuidado pedagógico diligente é um erro crasso pautado numa disputa que pesquisadores e gestores públicos sérios, e comprometidos com as nossas crianças, já estabilizaram há 20 anos —e que os limites que nos impedem de alfabetizar todas as crianças na idade certa não são de natureza estritamente metodológica, mas, sim, estruturais.

Até aqui vivemos uma litigância retórica irresponsável promovida pelo MEC em torno da “questão dos métodos”, construindo uma cortina de fumaça que confunde e atrapalha o conjunto de preocupações que deveriam estar na agenda prioritária da Secretaria de Alfabetização e da Secretaria de Educação Básica do MEC.

Esperemos que, daqui para frente, o debate se qualifique e que se coloque em primeiro plano o foco onde deveria estar: aperfeiçoar as políticas de avaliação e os programas de distribuição de materiais didáticos; qualificar a formação inicial e fomentar a formação continuada especializada na área; melhorar o recrutamento e induzir condições singulares de carreira de professores alfabetizadores com o objetivo de atrair os melhores profissionais para esta etapa crucial.

O país precisa estar atento, pois esta é uma das políticas mais importantes para construir nosso futuro.
As preocupações dos governantes são coerentes com sua envergadura ética e competência técnica. Considerando o grave quadro que temos ainda por corrigir, é assombroso que a agenda carregue até aqui tantos desacertos. Perde o país, que pagará o preço da desordem institucional e do descompromisso. Perdem as crianças desta geração, impactadas pela estreiteza de visão daqueles que deveriam ser os primeiros a defender seu direito fundamental à alfabetização e ao letramento.

Beatriz Cardoso

Doutora em educação pela USP e presidente do Laboratório de Educação

Alexsandro Santos

Doutor em Educação pela USP e coordenador do curso de Pedagogia da Feduc (Faculdade do Educador) e da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo

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