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Linha dura

Queda de homicídio anima discurso; agenda bolsonarista felizmente avança pouco

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Presidente Jair Bolsonaro com uma metralhadora, em foto postada em rede social oficial no mês de abril - jairmessiasbolsonaro /Instagram

As estatísticas compiladas pelo Ministério da Justiça indicam que a elevadíssima taxa de homicídios do Brasil voltou a diminuir neste ano, acentuando uma tendência iniciada nos últimos meses de 2017.

No primeiro semestre, o número de vítimas de assassinatos caiu 22% em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme dados ainda preliminares das polícias estaduais. Nos seis meses iniciais de 2018, a queda havia sido de 9%.

Crimes contra o patrimônio, incluindo roubos de veículos e assaltos a bancos, também apresentam declínio, assim como os latrocínios.

Os especialistas ainda se mostram inseguros ao buscar explicações para o fenômeno. Polícias estaduais mais efetivas e a dinâmica das disputas entre facções criminosas estão entre os motivos apontados com mais frequência, mas inexiste diagnóstico consensual.

O governo Jair Bolsonaro se apressou a reivindicar parte dos louros, apontando o isolamento dos líderes das facções após sua transferência para presídios federais e o discurso duro adotado pelo presidente contra os criminosos.

Mas não se notou até aqui esforço relevante da administração federal para coordenar de forma mais eficaz a atuação das polícias estaduais, com a exceção de projeto piloto iniciado em cinco municípios com altos índices de criminalidade, de resultados incipientes.  

Falar grosso certamente rende votos, como sabem Bolsonaro e governadores como João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ). Mas a hipótese de que isso tenha intimidado os criminosos é prematura, para dizer o mínimo.

Progressos também foram observados em estados geridos por partidos que fazem oposição a Bolsonaro, cujos governantes se distanciam da retórica truculenta.

Apesar da melhoria dos índices, o Brasil continua um dos locais mais violentos do mundo. Sua taxa de mortes violentas intencionais, de 27,5 por 100 mil habitantes em 2018, só perde para as de alguns países da América Latina e da África. 

Há indícios, ademais, de que as polícias se tornaram mais letais neste ano. No estado de São Paulo, o número de pessoas mortas por agentes aumentou 11,5% no primeiro semestre. No Rio de Janeiro, onde a situação já era muito mais dramática, o crescimento foi de 18% entre janeiro e outubro. 

Episódios como a morte da menina Ágatha Félix, de 8 anos, no Rio, e a desastrosa ação policial que terminou com a morte de nove jovens pisoteados em Paraisópolis, em São Paulo, ofereceram demonstrações chocantes de despreparo das forças repressivas. 

Denúncias de tortura atingiram a nova administração de presídios que foram objeto de intervenção federal no Pará e no Ceará, após conflitos sangrentos entre facções. 

O governo Bolsonaro nega que os abusos tenham ocorrido, mas o temerário do principal órgão federal dedicado ao combate à tortura não deixa dúvidas sobre o descaso com o problema.

A insegurança nas ruas das grandes cidades ainda é grande, e quase metade da população reprova as políticas federais de segurança pública. Segundo o Datafolha, 46% consideram o desempenho da União nessa área ruim ou péssimo.

Felizmente, grande parte da agenda bolsonarista não saiu do papel. Apenas 4 das 18 metas que seu governo estabeleceu para a segurança foram cumpridas integralmente, como esta Folha noticiou.

O Congresso barrou a proposta que ampliava o conceito de legítima defesa para assegurar impunidade a policiais que matam em serviço, assim como outras medidas do pacote anticrime lançado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. 

O Palácio do Planalto ainda tenta introduzir o chamado excludente de ilicitude na legislação que define regras para atuação das Forças Armadas em operações de segurança nos estados, mas a palavra final caberá ao Congresso.

O intento de eliminar punições por excessos nas ações repressivas voltou a surgir neste final de ano, com o indulto natalino concedido por Bolsonaro a agentes condenados por crimes culposos.

Tentativas de ampliar o direito à posse e ao porte de armas também encontraram oposição. Regras mais permissivas foram aprovadas para proprietários rurais, colecionadores e atiradores esportivos, mas o alcance da medida foi menor do que o ambicionado.

Restou demonstrado que, embora tenha apelo em estratos ruidosos, a abordagem linha-dura é corretamente reprovada pela maioria.

É positivo que a agenda da segurança tenha enfim merecido maior atenção de governantes e legisladores, mas soluções simplistas e demagógicas não podem subtrair do debate a racionalidade e o respeito a direitos humanos.

editoriais@grupofolha.com.br

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