Em setembro de 2019 tive o prazer de organizar um seminário internacional na Universidade de Genebra que permitiu constatar a pertinência da obra de Paulo Freire. Há algo paradoxal e anormal quando se trata de Paulo Freire. Enquanto o mundo estuda e celebra Freire, ele é atacado por altos escalões do Estado em sua terra natal!
Uma pesquisa no Google Acadêmico mostra a injustiça perpetrada contra ele, que tem 677 mil documentos científicos. Jean Piaget, o célebre psicólogo, aparece com 218 mil —três vezes menos. Freire é provavelmente o pedagogo mais citado e usado no mundo acadêmico.
Qual a herança pedagógica de Freire e por que se traduz em paixão mundial? Primeiro, ele se interessou pelos excluídos e oprimidos durante sua trajetória pedagógica. Ora, o mundo globalizado está repleto de desigualdades, injustiça e ameaças à democracia e aos direitos das minorias. Segundo, ele sempre pensou que uma sociedade desigual produz em grande medida um sistema educativo desigual.
Contudo, não há, para Freire, uma sociedade justa e menos desigual sem uma educação que libere as potencialidades de aprendizagem de todos e desenvolva a solidariedade entre as pessoas. Uma educação emancipatória não é possível sem consciência política e envolvimento cívico de educadores e alunos.
A rigor, Freire não é somente um extraordinário teórico e intelectual da educação como também um pedagogo prático que começou suas atividades educativas com os camponeses sem-terra do Nordeste, passando ainda pelos educadores revolucionários das antigas colônias portuguesas da África.
Foi, também, responsável pelos projetos educacionais do Conselho das Igrejas de Genebra e secretário municipal da Educação de São Paulo. Contrariamente a muitos universitários e intelectuais, colocou a mão na massa das políticas educacionais. Seu método de alfabetização, baseado na leitura do texto e do mundo sociopolítico, é reconhecido no mundo inteiro ainda que possa ser adaptado a diferentes contextos, melhorado e criticado.
A utilização atual da pedagogia freireana no mundo é múltipla. Na Europa, o método é atualmente usado com sucesso na alfabetização de migrantes e refugiados. Nos Estados Unidos, a obra é referência obrigatória para os estudos multiculturais. Na África, um método diretamente inspirado em Freire ("Reflect") alfabetiza com baixo custo populações rurais abandonadas à própria sorte pelo rolo compressor de uma globalização selvagem e de Estados nacionais corrompidos.
Sem querer me intrometer no debate político brasileiro, tão polarizado, penso que o Brasil deveria se orgulhar de Paulo Freire. Ele representa para a pedagogia o que é Pelé para o futebol. Sua obra simboliza esperança em um período de desencantamento político e social global.
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