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Zélia Duncan

Regina Duarte será capaz de ampliar o diálogo do governo com a classe artística? NÃO

Como se despregar dos valores pessoais de quem a convidou?

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Adoraria escrever o artigo “sim” desta página. Adoraria defender a ideia de que Regina Duarte vai dar as mãos para a cultura, que tem sido o seu habitat, com coragem e bom senso. Melhor ainda, que vai surpreender.

Mesmo depois de tantas polêmicas. Uma delas na minha bolha particular. Por conta de um “post” meio confessional —coisa de fã que sempre fui e, por isso, me derramei num vídeo que desaguava na gravação de “Começar de Novo”, hino de uma época onde Regina era protagonista de seriados e esperanças. Enquanto o vídeo dava uma viralizada, um amigo me disse que acreditava em planos, nem tão danosos, de Regina. Fez-me até imaginar.

A cantora e compositora Zélia Duncan - Reinaldo Canato - 19.fev.20/Folhapress

Mas aí ela solta uma convocação para o tal ato a favor da ditadura, ou como queiram, contra o Congresso Nacional, e estraga tudo de novo. No Instagram foi econômica, como se fizesse uma lista de supermercado. Anotou os itens metodicamente: “15 de março, Gen Heleno/Cap Bolsonaro [assim, juntinho]. O Brasil é nosso, não dos políticos de sempre”. E, para terminar, “Nas Ruas”. Mesmo depois de o mandatário desmentir tudo, dizer que o vídeo era de 2015 etc., etc., etc.. Ainda está lá, para quem quiser ver a receita do bolo.

Antes disso, no dia da entrega do Oscar, em um “post” nada cultural, ela dizia: “Um oscar pra você que foi pra rua derrubar o governo mais corrupto da história”. É quando o silêncio vale ouro.

Eu não quero ser implicante. Mas aquele vídeo, entrando na Ancine (Agência Nacional do Cinema), lugar tão atacado e significativo, o que ela quis dizer com tal atitude? 

Uma leveza que não existe. Seria bonito ter devolvido os cartazes dos nossos filmes para aquelas paredes. Teria sido simbólico, nem que fosse apenas um, para que começasse alguma coisa parecida com um diálogo, quem sabe? E se entrasse com um deles na mão ou escrevesse nas paredes uma frase como “viva o cinema brasileiro!”?

Sei lá, qualquer coisa que fosse um sinal para essa indústria que gera tantos dividendos para o nosso país. Claro que ainda é possível; afinal, ela ainda nem começou de fato, embora os rastros já estejam pelo chão.

Como se despregar dos valores pessoais de quem a convidou? Ou foi convidada justamente porque se afina com eles? E o novo presidente da Fundação Palmares, como vai ser? Já está lá, brincando de demitir quatro pessoas, desprestigiando a cultura afro-brasileira, Zumbi dos Palmares e chamando, raivosamente, consciência de vitimismo e ressentimento racial. Há quem diga que Regina vai mandá-lo embora. Mas ela pode, caso queira? O que será que ela pode? E, mais do que isso, o que será que ela quer para além do que já temos visto neste governo? 

Os órfãos de “Malu Mulher” (1979), onde me incluo, estão ainda meio chocados com tudo isso. Pior foi saber que Regina, atualmente, acha que a personagem era “exagerada”, um tanto feminista para o seu gosto atual.

E a foto com Fidel Castro in loco, que rolou nas redes e deixou Carlucho meio bolado, também deve desgostar nossa secretária da Cultura. Mas os fantasmas sempre nos assombram, quando os abandonamos por aí, com suas pesadas correntes.

Eu espero que Regina me desminta, me ridicularize, pelo simples fato de fazer tudo diferente do que pensei, do que julguei, do que concluí —motivo pelo qual fui convidada a escrever neste espaço. Vai ser um respiro, uma ressurreição, ver propostas que restabeleçam nossa fé e o reconhecimento da importância do nosso ofício.

São muitos os seus desafios. Como incentivar nossa cultura neste momento, como ser flexível com o segmento LGBT, como dar andamento aos projetos paralisados? E o próximo semestre? 
Bem, enquanto terminava este texto, Regina assumiu e demitiu o maestro dos infernos, que jura que o rock é coisa do diabo. Amém!

Estamos esvaziados, sendo tratados como inimigos há mais de um ano, afinal de contas. É como se diz por aí: os “nãos” nós já temos, uma coleção deles.

Zélia Duncan

Cantora e compositora

TENDÊNCIAS / DEBATES

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