Em tempos de crise, a sociedade precisa da ciência para encontrar respostas confiáveis aos desafios. A diferença entre cenários mais ou menos sombrios pode estar na descoberta de vacinas e de medicamentos, no melhor entendimento sobre a propagação das epidemias e no desenvolvimento de novas tecnologias de terapias intensivas.
Desde 1951 o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) são responsáveis pelo financiamento público federal em pesquisa e pós-graduação. As evidências demonstram um acúmulo de acertos nessas décadas. A ciência brasileira cresceu fenomenalmente em quantidade e qualidade, aumentando sua produção em mais de dez vezes em 30 anos. Graças à Capes, quintuplicamos o número de doutores formados no Brasil em 20 anos. Hoje temos cientistas brasileiros no mais alto nível internacional atuando decisivamente na busca por soluções para a crise que enfrentamos.
Esse legado inteiro está sob ameaça após a Capes introduzir, no início deste ano, uma nova metodologia para o financiamento da pós-graduação no Brasil. Uma revisão nos critérios antigos era necessária, e a Capes acertou ao escolher a qualidade, a produtividade e o desenvolvimento social como parâmetros para orientar a sua política. Entretanto, o modo escolhido pela Capes para implementar essa nova metodologia resultou num modelo matemático simplório e profundamente equivocado. Como resultado, grandes distorções e anomalias foram introduzidas; e o pior, com efeito imediato.
A qualidade dos programas de pós-graduação, que é aferida pela própria Capes, passou a ter pouca influência na quantidade de bolsas. Assim, programas de qualidade mediana tiveram aumentos vertiginosos (de até 500%) e programas de alta qualificação tiveram reduções abruptas no número de bolsas.
A nova metodologia também ignorou as características do mercado de trabalho. Estudantes que possuem vínculo empregatício e que portanto não podem ter bolsas, estão matriculados em programas com bolsas sobrando. Por outro lado, muitos estudantes altamente qualificados estão em programas de alto nível sem nenhuma bolsa disponível. Esses jovens cientistas ficaram subitamente sem remuneração e sem perspectivas, justamente quando a pandemia da Covid-19 paralisa o Brasil.
Uma ilustração desse desbalanço são os dois maiores programas de pós-graduação em física do Brasil, sediados no Instituto de Física e no Instituto de Física de São Carlos, ambos da USP. Mesmo obtendo a nota máxima de qualidade dada pela própria Capes, a nova metodologia impõe, respectivamente, cortes de 40% e de 50% das bolsas de doutorado aos dois programas.
É difícil acreditar que a Capes queira intencionalmente afetar de forma tão destrutiva tantas pós-graduações internacionalmente reconhecidas e tantos estudantes promissores. É possível que esse desastre anunciado tenha resultado de uma análise estatística inadequada, que não foi capaz de perceber o desarranjo que a nova metodologia causará no sistema de pós-graduação brasileiro.
Um bom coquetel de remédios necessita de doses adequadas. Assim como na medicina, qualquer novo tratamento precisa ser testado e acompanhado cuidadosamente. Está evidente que a Capes errou na dose —e, ao insistir no erro, está matando o paciente.
O que está em jogo é a sobrevivência do sistema de ciência e tecnologia no Brasil, em particular da pós-graduação. Se não corrigirmos os rumos imediatamente, estaremos comprometendo nosso potencial de enfrentar os desafios do futuro.
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