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Luiz Antonio Guimarães Marrey

Em defesa do regime democrático

Ministério Público não pode ser hesitante nem complacente diante dos fatos

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Luiz Antonio Guimarães Marrey

A Constituição da República, em seu artigo 127, dispõe que “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Isso significa que na essência do conceito da instituição está zelar pela democracia e pelas instituições que lhe são essenciais, bem como pelos direitos e garantias previstas na Constituição. O conceito constitucional da instituição não apenas faculta, mas obriga a agir em defesa da democracia representativa e das liberdades que lhe são inerentes.

O procurador Luiz Antonio Guimarães Marrey, ex-procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo - Bruno Poletti - 16.set.14/Folhapress

Deve fiscalizar se as eleições foram regulares e limpas, reprimindo o abuso de poder econômico que possa macular o seu resultado, mediante a violação de regras mínimas que existem para garantir a lisura do processo eleitoral.

Nesse dever, o Ministério Público não pode ser hesitante nem complacente, pois podem haver riscos à própria existência do regime democrático e de seus sistemas de garantias.

Relembre-se que o modelo atual da instituição foi fruto de uma luta de gerações de promotores e procuradores de Justiça e da República em tornar o Ministério Público independente do Poder Executivo. Sua aprovação pela Assembleia Nacional Constituinte representou uma aspiração dos representantes do povo brasileiro na construção institucional, que pudesse efetivamente velar pelos mais importantes interesses da sociedade na defesa da Constituição e do seu sistema de garantias e direitos fundamentais.

Quando há manifestações públicas em defesa de um golpe de Estado, o Ministério Público não pode fechar os olhos a tais fatos. Deve agir com firmeza e destemor.

Quem prega “intervenção militar” quer suprimir os direitos de liberdade e as garantias do povo brasileiro em nome de um projeto de ditadura que não disfarça sua simpatia pelos conceitos de clara inspiração neofascista. Manifestações com a estética similar aos extremistas internacionais são vistas, não sendo mera coincidência que um ex-secretário de Cultura tenha repetido frases do nazista Goebbels em apresentação que lhe custou o cargo.

Ameaças contra anunciantes de meios de comunicação visam a sufocar a imprensa livre. Além disso, seguem-se advertências, mais ou menos veladas, de altas autoridades do governo e de suas linhas auxiliares, de que pode haver uma ruptura constitucional, o que é um eufemismo para um golpe de Estado.

Pregar em público “processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social” ou incitar “a animosidade entre as Forças Armadas e as instituições civis” são crimes previstos na lei nº 7.170/83, a Lei de Segurança Nacional, por ironia criada ainda durante o governo do presidente e general João Figueiredo.

É óbvio que a criminalização de tais condutas tinha como alvo preferencial o espectro político das esquerdas, mas está em vigor, foi recepcionada pela ordem constitucional e se aplica a todos.
Se os ataques à república democrática brasileira, ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário —em especial à sua mais alta corte—, e se a pregação de sua dissolução de maneira aberta e desavergonhada não tiverem uma firme reação, terá a instituição do Ministério Público se omitido em cumprir uma de suas principais atribuições.

Toda essa situação tem feito ressurgir a discussão sobre a forma de escolha do procurador-geral da República, que nem mesmo apresenta a limitação da lista tríplice prevista para os Ministérios Públicos dos estados. Não há dúvida de que o exercício da Procuradoria-Geral de quaisquer dos Ministérios Públicos, seja o Federal, o Militar, o do Trabalho e dos Estados e do Distrito Federal, exige independência, profissionalismo, firmeza e equilíbrio para ser fiel ao seu mandato constitucional.

No entanto, nem tudo é de atribuição dos chefes das instituições, que não podem interferir na independência funcional de seus membros.

Cabe portanto à atual geração de membros do Ministério Público, mesmo dentro de sua diversidade ideológica, renovar o seu compromisso com a Constituição e não se omitir da defesa do regime democrático em quaisquer de seus aspectos, seja o da legitimidade da eleição e do exercício do poder, bem como da sua contenção, quando necessária.

A instituição tem o dever de fiscalizar os limites constitucionais de exercício do poder e de repressão penal e civil aos que pregam a supressão violenta do regime democrático, sob pena de ser julgada pela história como cúmplice de eventual catástrofe política que se abata sobre o povo brasileiro. E de catástrofe já temos a pandemia, que só faz aumentar o número de pessoas mortas, ante a olímpica anestesia de altas autoridades do país, que sequer conseguem balbuciar palavras de simpatia pelas vítimas e suas famílias.

Luiz Antonio Guimarães Marrey

Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, foi procurador-geral de Justiça (1996-2000 e 2002-2004) e presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça (1997)

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