Medellín é mais que um lugar concreto —é, sobretudo, uma utopia realizada. No espaço de uma geração, passou de território dominado pelo narcotráfico, sob as ordens de Pablo Escobar, a modelo mundial de urbanismo. Ter visitado essa cidade colombiana turbinou meu sonho de reverter o ciclo de pobreza no Brasil.
Meu propósito de vida é transformar as favelas —de onde saí, em Guarulhos (SP)— num espaço de convivência, paz e geração de renda. É a causa que me move e inspira meu time. Embarquei para Medellín atrás de aprendizado. Voltei com a mala cheia de ideias para o nosso projeto “Redesenho de Favela”, em São José do Rio Preto (SP), onde vamos construir a primeira comunidade inteligente e autossustentável do Brasil.
Em duas décadas, a capital da província de Antioquia, com pouco mais de 2,5 milhões de habitantes, promoveu uma reviravolta social. A cidade já teve índices de homicídios assustadores nos anos 1990, com 382 casos a cada 100 mil habitantes, um dos maiores do mundo. Hoje o número caiu para 39. O ambiente de corrupção crônica, a influência das Farc, os assassinatos e sequestros, a guerra civil, o toque de recolher às seis da tarde —tudo isso é coisa do passado.
O caos foi extinto graças a uma política pública baseada em inovação social a serviço dos mais pobres. A região mais violenta, a Comuna 13, tornou-se uma espécie de usina de transformação a céu aberto.
Um mix de tecnologias, lá chamadas de “acupuntura social”, produziu um conjunto de benefícios. Moradias comunitárias, saneamento e água potável são o básico. Mas há ainda uma casa de Justiça e uma biblioteca-parque. As calçadas alargadas e a quadra poliesportiva são um convite à vida comunitária. A escada rolante e o sistema de teleféricos conectado ao metrô privilegiam a locomoção dos moradores.
Os pobres de Medellín continuam sendo pobres. Mas sentem menos os efeitos da pobreza que os demais pobres da América Latina.
Jorge Melguizo, ex-secretário de Desenvolvimento Social de Medellín, nos deu uma aula sobre o modelo adotado pela cidade mais inovadora do mundo, de acordo com o Urban Land Institute. A necessidade de um acordo social, ensina Melguizo, é o primeiro pilar da transformação para vencer a violência. O protagonismo de todos —governo, comunidade, iniciativa privada, academia, ONGs— é fundamental.
A convivência em espaços públicos também promoveu a sensação de segurança. A dignidade foi resgatada. Pobres deixaram de ser tratados como cidadãos de segunda classe. O longo prazo é a métrica da revolução social colombiana. As mudanças não se dão num passe de mágica —elas são processos.
Nosso grupo —Murilo Cavalcanti, secretário de Segurança Cidadã de Recife e criador do Compaz (Centro Comunitário da Paz); Germano Guimarães, fundador e presidente do Instituto Tellus; o empresário Rafael Hawilla; e eu— ouviu atento a exposição. Os colombianos buscaram referências no transporte de Curitiba e no Favela-Bairro, do Rio de Janeiro. Projetos sociais de sucesso são assim: não têm dono. Eles pertencem a quem ousar sonhar com a transformação da sociedade.
Um histórico de desigualdade não nos condena a repetir indefinidamente o passado. Há outras trilhas a seguir, e a aberta pelos colombianos, se quisermos de verdade, pode redesenhar o mapa da pobreza no Brasil.
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