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Luciano de Castro

Musk versus Moraes: o certo e o estratégico

Apoiar investigação contra o ministro deveria ser unanimidade na imprensa

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Luciano de Castro

Professor de economia na Universidade de Iowa (EUA), é especialista em teoria de jogos e economia política

Elon Musk acusou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de fazer exigências ilegais ao X, o antigo Twitter. Diante da acusação, formadores de opinião têm de escolher de que lado ficar e quem defender. Muitos estão apostando na defesa de Moraes, mas esta parece ser uma posição moral e estrategicamente equivocada, como argumento a seguir.

Partamos da premissa de que há fortes indícios de "excessos" por parte do ministro. Apenas para citar um exemplo, a Constituição veda "toda e qualquer censura" (art. 220, §2), mas Moraes mandou suspender dezenas de perfis em redes sociais, como esta Folha noticiou. Há vários outros sinais de "excessos", cuja existência ninguém razoável nega. Partindo dessa observação, as acusações são, no mínimo, bastante plausíveis. Admitir essa plausibilidade é suficiente para o nosso argumento.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal - Evaristo Sá/AFP - AFP

Se houve excessos autoritários, estes devem ser corrigidos. Para que se mantenha saudável, uma democracia precisa coibir autoritarismos ilegais. Apenas sociedades em estado de degeneração são incapazes de corrigir os excessos de quem exerce uma função pública. A incapacidade de correção se manifesta quando as instituições se identificam com os seres imperfeitos que as constituem e se tornam instrumentos a serviço de suas paixões. Não é para servir a qualquer paixão que se ergue uma instituição pública, ainda mais uma Suprema Corte. A pujança de uma democracia depende fundamentalmente da submissão ao império da lei, que a todos governa, sem exceção.

Em suma: houve excessos? Há que corrigi-los. Ponto. A única postura defensável diante das denúncias é cobrar que se as investigue seriamente, punindo-as exemplarmente se comprovadas. Para exigir essa apuração é absolutamente irrelevante quem fez a denúncia. Por acaso deixamos de investigar o mandante de um crime porque foi o sórdido assassino quem o denunciou? Desqualificar as acusações de Musk porque ele seria mimado, bilionário ou estrangeiro não é razoável. Se há denúncias plausíveis, a única postura moralmente defensável é cobrar uma apuração séria.

No entanto, argumentos baseados na ética e na moral parecem não ter mais qualquer relevância num país em que apenas o fla-flu político importa. Felizmente, podemos concluir que o mesmo posicionamento é o melhor para o interesse pessoal de formadores de opinião.

De fato, se nada acontecer, o jornalista que cobrar investigação não terá prejudicado em nada o status quo, mas terá ganho credibilidade e respeito perante a opinião pública. Poderá apresentar-se como independente e confiável, o que é uma significativa vantagem para um intelectual público.

Por outro lado, se o desenrolar dos fatos levar à queda do ministro, aqueles que tiverem defendido a investigação aparecerão como líderes de uma elite esclarecida e despontarão como defensores de instituições sólidas, fundamentos de uma nação próspera. Em outras palavras, defender uma apuração séria das denúncias não é apenas a única postura moralmente correta, mas também é o que pesquisadores de teoria de jogos chamam de estratégia dominante: é a melhor opção em qualquer caso.

Diante de conclusão tão forte, cabe perguntar: o que poderia levar um jornalista a se opor a tal diligência? Talvez me falte imaginação, mas só consigo pensar em duas razões: recompensas diretas ou o medo de represálias futuras. Qualquer uma dessas hipóteses favorece a narrativa bolsonarista. Na primeira, são os meios de comunicação servindo a outros interesses que não a verdade. Na segunda, é a confissão de que não existe mais democracia, uma vez que tais represálias só acontecem num regime de exceção.

A quem interessa sinalizar qualquer das alternativas? A ninguém. E é por isso que o apoio a uma investigação séria deveria se tornar unanimidade na mídia.

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