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Helena Vieira

Dia da Mulher: por uma memória do futuro

Em meio à velocidade do presente, aspectos importantes de nossas lutas se perdem

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Helena Vieira

Escritora, transfeminista e dramaturga

É essencial que nós, feministas, confrontemos nosso medo e resistência em relação umas às outras porque, sem isso, não sobreviveremos. O verdadeiro poder, como você e eu sabemos, é coletivo. Não suporto ter medo de você, nem você de mim. Se isso requer uma cabeçada, vamos lá. Essa timidez refinada está nos matando. O movimento feminista deve ser um movimento de sobreviventes, um movimento com futuro.

Cherríe Moraga, no artigo "La Guera"
Escritora e ativista feminista

Que o Dia Internacional da Mulher não é uma data para celebrações já sabemos. Há décadas os movimentos feministas têm insistido no caráter de luta e resistência que atravessa esta data; afinal, não é tempo de flores e dicas de beleza, mas da retomada de uma memória das lutas das mulheres trabalhadoras nos Estados Unidos e na Europa, quando reivindicavam direitos básicos à creche, ao voto e por melhores condições de trabalho. A socialista Clara Zetkin, em 1910, já havia, proposto um Dia Internacional da Mulher, tendo em vista as lutas, as vidas que se perdem nas lutas e também a memória das trabalhadoras.

O caráter internacional da data, referenciada principalmente em eventos ocorridos em países do Norte, poderia sugerir que apenas lá as mulheres se organizavam e reivindicavam seus direitos —o que seria um equívoco imenso; afinal, aqui no Brasil, já nos anos 1930, existiam movimentos de mulheres pelo voto feminino, por melhores condições de trabalho e também já se articulava a luta feminista.

Em 1842 por exemplo, Nísia Floresta publica “Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens”. Ainda nesse sentido, é importante destacar as contribuições muito significativas de Bertha Lutz e sua perspectiva um tanto institucional da luta das mulheres e da anarquista Maria Lacerda de Moura, autora do clássico “A Mulher é uma Degenerada”, defensora do fim da monogamia e do casamento e da emancipação do gênero humano. Outros tantos nomes empreenderam as mais diversas lutas, como a parlamentar Antonieta de Barros, a escritora Carolina Maria de Jesus, a psiquiatra Nise da Silveira e tantas mais.

Nos últimos anos, tomando aqui as palavras da escritora Heloísa Buarque de Holanda, vivemos uma explosão feminista e de feminismos, fenômeno um tanto marcado pelas transformações tecnológicas que culminam em um extenso e acessível ecossistema virtual, de difusão e produção de saberes, discursos e informação (às vezes de desinformação).

Nesse contexto, muitas mulheres com múltiplos marcadores sociais puderam acessar umas as outras e se encontrar. Contudo, às vezes parece que, em meio à velocidade das trocas do presente, aspectos importantes das nossas lutas se perdem —sobretudo quanto à memória e produção de conhecimento das tantas mulheres que nos antecederam. É nesse sentido que considero o trabalho da memória como sendo extremamente relevante no Dia Internacional da Mulher e para além dele.

Sabiamente falamos hoje em feminismos, isso porque a categoria “mulher” nada tem de universal; é múltipla, histórica e situacional. O feminismo negro, o transfeminismo, o putafeminismo e tantos mais consolidam-se no tempo como aporte crítico às formulações universalizantes dos feminismos hegemônicos.

Nessa multiplicidade de formas de vida, de experiências e de dores, o Dia Internacional da Mulher —quero propor— é o momento em que nos esmeramos em responder: o que nos conecta? Como podemos estar juntas e resistir ao mundo que parece cada vez mais impossível?

Penso que o trabalho e a investigação da memória de nossas lutas e vidas sejam umas das pistas que apontam para o futuro, para uma memória do futuro.

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