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O trigo e o joio

Senado deve votar logo texto que sepulta Lei de Segurança Nacional, depurando-o

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Congresso Nacional, em Brasília - Roque de Sá/Agência Senado

Está nas mãos do Senado Federal votar celeremente o projeto que extingue a famigerada Lei de Segurança Nacional (7.170/83). Última peça importante do entulho autoritário, a LSN, que se imaginava que morreria de morte morrida após o fim da ditadura, não apenas sobreviveu como está vicejando.

No biênio 2019-20, a Polícia Federal abriu 77 inquéritos com base na lei, ante apenas 24 no biênio anterior. Boa parte do excesso de trabalho para a PF advém de tentativas do governo de usar o diploma para calar seus críticos.

Entretanto o próprio Supremo Tribunal Federal também o empregou para prender o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) e organizadores de manifestações antidemocráticas.
Esse estado de coisas só é possível porque a LSN abusa de tipos penais vagos e carrega nas sanções.

Nem deveria ser necessário dizê-lo, mas uma legislação que visa a garantir a segurança do Estado deveria limitar-se a punir atos violentos praticados com o objetivo de abolir o Estado de Direito ou depor pela força governos legalmente constituídos.

Para ser democrática, deveria ainda assegurar que críticas a instituições e administrações circulem livremente. Em teoria, elas podem até ferir de morte um governo, revelando o que se gostaria de esconder, mas de fato fortalecem o sistema, ao ajudar a depurá-lo de maus dirigentes e más práticas.

O projeto aprovado na Câmara dos Deputados e agora submetido ao Senado até faz isso. O texto aposenta a lei autoritária e abre no Código Penal um capítulo destinado a proteger a soberania e as instituições nacionais de ações criminosas. É mais econômico e preciso na definição de condutas ilícitas do que a peça anterior.

Parlamentares, porém, dificilmente resistem à tentação de multiplicar regras, e a reforma da LSN não foi uma exceção. Os deputados aproveitaram para introduzir uma seção que trata de crimes contra o processo eleitoral, a fim de evitar a propagação dolosa de fake news.

Aqui, a inovação se vale de linguagem genérica que dá ampla margem a interpretações. Num exemplo cristalino de má técnica legislativa, um dos dispositivos prevê até cinco anos de prisão a quem usar robôs e outros artifícios para difundir “fatos que sabem inverídicos”, capazes de “comprometer o processo eleitoral”.

Normas assim vagas podem facilmente ser usadas para restringir a liberdade de expressão. Como casa revisora, cabe ao Senado livrar o projeto dessas impropriedades.

Espera-se que o Senado aprove o texto sem grandes alterações e que o presidente Jair Bolsonaro aponha vetos. O risco, claro, é que se vete o trigo e se sancione o joio.

editoriais@grupofolha.com.br

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