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Jorge Abrahão e Igor Pantoja

O ocaso da participação social na cidade de São Paulo

É um desperdício não promover o diálogo com a sociedade diante de tantos desafios

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Jorge Abrahão

Coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis

Igor Pantoja

Doutor em sociologia, é assessor de mobilização do Instituto Cidades Sustentáveis e da Rede Nossa São Paulo

O cancelamento das eleições para os Conselhos Regionais de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz (Cades Regionais), após falhas no sistema de votação eletrônico, é apenas a parte mais visível e dramática de um processo de enfraquecimento da democracia vivido na cidade de São Paulo.

Somente neste ano, em diferentes oportunidades, a sociedade civil pôde verificar o desprestígio da participação social em relação aos anseios, expectativas e desejos de contribuir e manifestar suas opiniões junto à gestão municipal. Em que pese o engajamento e a profícua colaboração entre poder público e sociedade civil em espaços como a Comissão Municipal para o Desenvolvimento Sustentável, em diversas outras arenas de participação social a situação é de retrocessos.

O Programa de Metas, criado a partir de uma iniciativa da Rede Nossa São Paulo, apoiada por centenas de organizações da sociedade civil e consolidado na Lei Orgânica do Município, em sua versão 2021-2024 contou com alguns milhares de contribuições dos munícipes. Apesar do número de contribuições ter sido inferior a edições anteriores dos programas de metas, geraram contribuições que poderiam, mas não foram, incorporadas ao programa.

Na política urbana, tema dos mais relevantes na maior cidade da América Latina, o poder econômico vem ganhando de goleada em relação à sociedade civil. Esta não participou, por exemplo, da elaboração do cronograma ou metodologia a serem adotados no processo de revisão do Plano Diretor, que vem sendo levado a cabo pela prefeitura mesmo no atual cenário de limitação da participação popular na defesa de seus interesses. Enquanto isso, representantes de setores ligados ao mercado imobiliário possuem assento no Comitê de Gestão da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), conforme portaria publicada no mês de março deste ano.

O Ministério Público já recomendou a suspensão imediata do processo de revisão do Plano Diretor Estratégico, e o Tribunal de Justiça suspendeu a contratação de uma empresa de consultoria responsável por elaborar um diagnóstico do plano, que havia sido feita sem licitação pelo valor de R$ 3,5 milhões. É conhecida a existência de corpo técnico competente e disponível nos quadros da prefeitura para realizar monitoramento e diagnóstico do Plano Diretor. O diálogo com a sociedade civil poderia enriquecê-lo e aprimorá-lo, a partir da parceria com universidades, movimentos populares e organizações da sociedade civil.

A prefeitura aposta no modelo “híbrido” de participação, porém a participação virtual foi testada no processo de eleição dos Cades Regionais, que foi anulada por uma série de irregularidades do processo, como a possibilidade de que cada eleitor votasse em um número maior de candidaturas do que o permitido, além da instabilidade do sistema, que ficou indisponível em grande parte do período de votação. O processo eleitoral também trouxe a possibilidade da volta do “voto de cabresto”, já que a eleição online pode levar a prática de venda de votos, ou exercício de pressão externa na escolha do eleitor, já que permite que os votos sejam enviados a outras pessoas.

A descentralização da gestão municipal, para que as decisões e ações sejam pensadas e executadas a partir da dimensão mais local, dos bairros da cidade, vem perdendo espaço ao longo dos anos, com a diminuição do número de conselheiros nos conselhos participativos das subprefeituras, esvaziamento das próprias subprefeituras como espaços de tomada de decisão, e com o atual “limbo” vivido por esses espaços participativos. Ocorre que os conselhos participativos têm caráter provisório, até a implementação dos Conselhos de Representantes, de acordo com a Lei Orgânica. A recente decisão do STF, reconhecendo a legitimidade da existência dos Conselhos de Representantes, e o fato de que estes serão ligados ao Poder Legislativo trazem novos atores à discussão, mas a abertura da Câmara Municipal ao diálogo sobre o tema ainda é muito baixa.

Vivemos um cenário em que a saúde democrática já está abalada em nível federal (onde dezenas de espaços participativos foram extintos), e é visível o processo de enfraquecimento dos espaços participativos na cidade de São Paulo, corroendo nossa democracia justamente no nível mais próximo da população: o município. A retomada pós-pandemia deve ser momento de somar forças em nome de objetivos e agendas comuns, e a sociedade pode e deve ser escutada e incluída nestes processos, aumentando sua penetração social e fortalecendo vínculos sociais enfraquecidos pelos efeitos da pandemia. É um desperdício não promover o diálogo com a sociedade diante de tantos desafios que temos, o que pode levar a maiores gastos públicos e menor efetividade, em um momento de recursos escassos e necessidades colossais.

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