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João Carlos Leal

Acessibilidade sem acesso

Projeto que tramita no Congresso livra gestores públicos de punição

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João Carlos Leal

Advogado

O tema da garantia de acessibilidade para as pessoas com deficiência sempre foi relegado à omissão, mesmo em face de um dever que consta há quase 30 anos no texto da Constituição Federal de 1988.

Estamos falando de um número expressivo de pessoas que têm seus direitos negados, mesmo existindo leis que os garantam. No Brasil, são aproximadamente 17 milhões de cidadãos com deficiência, segundo levantamento da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), em 2019.

Sabe-se que, destas 17 milhões de pessoas, apenas 28,3% em idade de trabalhar se posicionam na força de trabalho brasileira. Já entre as pessoas sem deficiência, o índice sobe para 66,3%.

A desigualdade também aparece no nível de escolaridade. Quase 68% da população com deficiência não tem instrução ou possui o ensino fundamental incompleto, muito porque não há acessibilidade nas escolas públicas. Em contrapartida, para as pessoas sem nenhuma das deficiências investigadas, o índice é de apenas 30,9%.

Os números mostram toda a dificuldade enfrentada diariamente pelas pessoas com deficiência e, apesar do dever geral que a sociedade possui em tornar o país acessível a todos, é comum se observar verdadeiros descasos.

Em nosso ordenamento jurídico, foram criadas várias leis que abrangem a acessibilidade para as pessoas com deficiência, como as leis 8.429/92 e 10.098/00, os decretos 3.298/99 e 5.296/04, e a própria Lei Brasileira de Inclusão (13.146/15).

Com exceção do artigo 11, inciso IX da lei 8.429, os textos normativos acima exemplificam como deve ser tratado o assunto, trazendo uma série de previsões garantindo o direito de acessibilidade às pessoas; contudo, não impõem quaisquer sanções para quem descumpri-las.

Assim, tais instrumentos se fizeram pouco efetivos, com prazos larguíssimos para a adaptação de edificações e serviços já existentes e, mesmo suas disposições atinentes a novas edificações e serviços, são conhecidamente ignoradas na maior parte dos casos.

É fácil verificar a não observância à lei de acessibilidade, como em obras de órgãos públicos que não atendem de forma correta a necessidade das pessoas com deficiência, a falta de rampas e o difícil acesso das passarelas para esse grupo, além da circulação de transporte público inadequada.

As pessoas com deficiência contam apenas com a lei 8.429/92, que impõe punição para aqueles que descumprirem a lei de acessibilidade, dispondo que os gestores públicos que, ao contratarem bens ou serviços, não observarem os requisitos de acessibilidade terão cometido ato de improbidade administrativa, o que pode causar, dentre outras sanções, perda da função pública, perda de mandato e até inelegibilidade.

Ocorre que o texto da lei supracitada é ameaçado pelo projeto de lei 10.887, apresentado em 2018 pelo autor Roberto de Lucena (Podemos-SP) e revisado em 2020 pelo relator Carlos Zarattini (PT-SP). Tal projeto foi votado no plenário em junho de 2021, em regime de urgência, teve sua versão final aprovada pela Câmara dos Deputados e será encaminhado para apreciação do Senado Federal.

Caso o projeto de lei prossiga, será revogada expressamente a punição estabelecida no inciso IX do artigo 11 da lei 8.429.

Como exemplo, caso uma obra na cidade não atenda aos requisitos mínimos para acessibilidade de pessoas com deficiência, o gestor público não será passível de punição alguma.

Ou seja, em quaisquer hipóteses de não atendimento ao previsto na lei de acessibilidade, os gestores não serão punidos; por outro lado, a punição virá para pessoas que dependem da acessibilidade. Caso a revogação seja confirmada pelo Senado Federal, os direitos das pessoas com deficiência sofrerão um significativo retrocesso.

Não se pode deixar que o Brasil deixe desamparados milhões de pessoas. Ora, se mesmo com a lei existente já é possível verificar diversos descasos com pessoas com deficiência, imaginar que o cenário irá melhorar em virtude da retirada da punição é ser, no mínimo, ingênuo.

Em consideração a isso, parece razoável crer que o que está em curso sobre essa questão no Congresso Nacional são os políticos dando sequência a um projeto de lei para retirar a possibilidade de punição caso a lei de acessibilidade não seja cumprida.

Por ser uma medida de justiça, a sociedade, como um todo, deve se atentar para esse acontecimento e tomar as devidas providências sobre o caso para garantir o efetivo direito à acessibilidade.

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