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Sérgio Haddad

Paulo Freire, 100: uma voz necessária

Educador nos convoca a criar sonhos, superar desigualdades e discriminações

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Sérgio Haddad

Doutor em educação, é pesquisador da Ação Educativa e autor de 'O Educador, um Perfil de Paulo Freire (ed. Todavia)

Neste domingo (19) Paulo Freire completaria 100 anos. Nascido em Recife, o educador passou 15 dos seus 75 anos de vida no exílio. Saiu do país no final de 1964, depois de ter sido preso e acusado de ignorante e traidor da pátria pelos militares, quando organizava a Campanha Nacional de Alfabetização pelo governo João Goulart. Voltou em 1980 reconhecido mundialmente como um dos mais importantes pensadores do campo da educação.

Por que uma pessoa preocupada com a educação incomoda os conservadores? Como o seu pensamento pode ser útil para os dias atuais?

Paulo Freire alertava em seus escritos que a educação estava na vida, não apenas na escola, e que seria importante notar que em cada sociedade há pessoas com comportamentos e valores diversos, como por exemplo aquelas que discriminam, praticam o racismo, o machismo e outras formas de exclusão social, e aquelas que promovem o respeito às diversidades, aos direitos humanos e à cidadania.

Quantos de nós não nos surpreendemos nos tempos atuais com atitudes e palavras de amigos, familiares e pessoas que vieram à tona expressando ódio e discriminação? Isto nos convoca para uma atitude educativa frente ao nosso cotidiano se quisermos agir para construir uma sociedade mais justa e menos desigual, segundo o educador.

A pedagogia freiriana tem no diálogo um lugar central. Premissa deste diálogo é o respeito ao outro, à sua cultura, seus saberes e às diferentes posições políticas e ideológicas. Tal respeito toma por base a crença de que não haveria saber mais ou menos importante, mas sim saberes diferentes entre as pessoas. O diálogo estimularia a produção de conhecimentos e as práticas destinadas ao aprimoramento da sociedade. Mas é evidente que o diálogo só é possível quando há disponibilidade real para tal comportamento, infelizmente rara neste momento em que o conflito parece ser hegemônico.

Para Freire não haveria neutralidade na ação educativa: sendo um produto da sociedade, reflete projetos políticos e valores em disputa. E ele tinha lado: seu livro mais famoso chama-se "Pedagogia do Oprimido". Ora, a quem tem servido as políticas educacionais atuais? A que projeto político e valores servem as escolas civil-militares, a limitação de recursos, a segregação dos alunos com deficiência e a ideia da universidade para poucos senão ao desmonte de direitos educativos que atinge os mais pobres?

“Sonhar é parte da natureza humana e motor da história”, segundo o educador. A necessária e permanente denúncia de um presente desumano deveria ser acompanhada pelo anúncio de um futuro melhor a ser criado. Porque a história não para, não morre, é possibilidade.

Freire nos convoca a criar sonhos, aqueles que tratam de superar as desigualdades e discriminações de toda ordem, e anunciar um outro mundo possível. Para isso utiliza o termo "esperançar", trocando o substantivo "esperança" pelo verbo. "Esperançar" significa não ficar parado aguardando que este futuro sonhado chegue, mas sim agir para conquistá-lo.

Nos momentos em que os caminhos parecem intransponíveis, sonhar com um futuro melhor abre as portas para o "esperançar". As conquistas de cada passo nessa direção, que Freire chamou por "inédito-viável", criariam novos sonhos e, como decorrência, novos "esperançares".

E quais seriam esses passos? São as pequenas e as grandes lutas do nosso cotidiano, desde os coletivos de jovens por lutas identitárias até as grandes manifestações de rua, passando pela solidariedade que vimos na pandemia e as ações antirracistas dos últimos anos, chegando à luta dos povos tradicionais, que não só defendem suas terras e sua cultura como apontam novos paradigmas para a organização da vida, respeitando direitos do ser humano e da natureza.

São muitos os sinais, as ações e as possibilidades de nos envolvermos na construção de um mundo melhor. "O futuro não é inexorável", diz Freire. Juntos, devemos "esperançar".

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