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André Kwak, Evaniza Rodrigues e Ivan Maglio

Câmara Municipal de São Paulo: casa do povo ou contra o povo?

Falta diálogo aos vereadores da Casa, que também não conversam com os munícipes

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André Kwak

Economista, é pesquisador no Laboratório de Habitação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP)

Evaniza Rodrigues

Assistente social, é militante da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo

Ivan Maglio

Engenheiro civil, doutor em saúde ambiental e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), foi coordenador executivo do Plano Diretor Estratégico (2002) e da Lei de Uso do Solo (2004)

É comum ouvir vereadoras e vereadores de São Paulo, em seus entusiasmados discursos, sublinharem que a Câmara Municipal "é a casa do povo". Tem a sua lógica. Afinal, os 55 parlamentares foram eleitos e, portanto, estão lá representando o povo, estão lá para acolher as demandas das pessoas. Por que, então, a sociedade não vê democracia e um diálogo pulsante na Casa, percebendo inclusive enorme contradição quando o Legislativo é chamada de casa do povo?

A Câmara é considerada a instituição menos confiável na cidade de São Paulo: pesquisa da Rede Nossa São Paulo e Ipec mostra que apenas 22% da população confia no trabalho da Câmara.

Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito da Prevent Senior, na Câmara Municipal de São Paulo - João Raposo - 14.out.21/Rede Câmara

Atualmente, a Câmara é um local taciturno e sem transparência, coberto pelo nevoeiro das interpretações meramente formais da lei, submissa aos arroubos autoritários do seu presidente, Milton Leite (DEM).

Muitos projetos de lei propostos na Câmara têm sido colocados na pauta de forma obscura e açodada, sendo votados sem o devido debate prévio com a sociedade, trazendo enorme impacto no cotidiano dos bairros e das pessoas. É o caso da tentativa de revisão do Plano Diretor durante a pandemia: a sociedade civil se mobilizou por meio da Frente São Paulo pela Vida, com cerca de 500 entidades signatárias, que pediam maior debate e o adiamento da revisão. Surpreendentemente, o presidente da Câmara decidiu, e teve a adesão da maioria de seus comandados, reduzir o prazo do adiamento para apenas 180 dias, em desrespeito à decisão pactuada entre a prefeitura e o Conselho Municipal de Política Urbana, que tem competência legal para debater o tema e que havia decidido pelo adiamento por 12 meses, prorrogável por 12 meses.

Recentemente, em reunião do colégio de líderes, o presidente da Câmara já havia informado que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) havia enviado projeto de lei para adiar em 365 dias o processo de revisão do Plano Diretor. E afirmou: "Não vamos dar um ano. No máximo 180 dias". E foi o que valeu na votação desta do último dia 8 de novembro. O adiamento da revisão do Plano Diretor por um ano foi acordado entre a sociedade civil, a prefeitura e o Ministério Público, depois de intensa mobilização e longos debates. Para o vereador Milton Leite, essas três instâncias devem se submeter à sua conveniência.

De acordo com a Lei Orgânica do Município, em seu artigo 41, a Câmara Municipal, através de suas comissões permanentes, deve convocar audiências públicas, mediante prévia e ampla publicidade, para debater e votar os projetos de leis de considerável repercussão na vida das pessoas, tais como o Plano Diretor, o Plano Plurianual e o Orçamento, o zoneamento urbano, a política municipal de meio ambiente e de saneamento, entre outros temas. Há que se ouvir a sociedade civil de forma ampla e irrestrita! Há que discutir!

O que vem acontecendo, no entanto, é o oposto. Audiências da Comissão de Constituição e Justiça, cuja competência, determinada no artigo 47 do regimento, é "opinar sobre o aspecto constitucional, legal e regimental das proposições, as quais não poderão tramitar na Câmara sem o seu parecer", são computadas pelo presidente da Câmara como se fossem audiências nas comissões de mérito.

Estratagemas diversos vêm sendo usados para interditar a discussão popular, como redução dos intervalos entre as audiências de dez para cinco dias. O mais grave é que, com muita frequência, nada do que é dito pela sociedade civil durante a audiência é levado em consideração, nenhum dos compromissos assumidos publicamente pelos vereadores é mantido. Não há diálogo, nem entre os vereadores. Mudanças nos projetos de lei são encaminhadas em cima da hora da votação, sem que a sociedade civil e nem mesmo os vereadores tenham tido oportunidade de estudá-las.

A sociedade civil conhece vereadores que são exceção, que, independentemente de suas convicções políticas, empenham-se para que a Câmara seja realmente a "casa do povo". Mas, apesar de seus esforços, têm prevalecido a truculência e a falta de diálogo.

Cabe a pergunta: a 'casa do povo" quer, realmente, se transformar na "casa contra o povo"? Vereadoras e vereadores, como vamos retomar o papel da Câmara Municipal para voltar a ser o fórum essencial para a cidade de São Paulo e para a defesa do interesse público?

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