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Carlos Oliveira e Mathieu Turgeon

Quem acredita em teorias conspiratórias mudaria suas crenças caso corrigido?

Estudo aponta que 16% deles passaram a não ter mais tanta certeza assim

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Carlos Oliveira

Doutor em ciência política, é professor voluntário do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)

Mathieu Turgeon

Doutor em ciência política, é professor do Departamento de Ciência Política da Western University (Ontário, Canadá)

Teorias conspiratórias são pervasivas e fluem com incrível desenvoltura, principalmente num cenário de polarização irritadiça, comoção social e de luta irracional por prevalência do próprio discurso e ação política. Estudos referentes aos Estados Unidos mostram que preferências partidárias quase sempre induzem as condições de criação, endosso, difusão e afetam o aceite a correções desse tipo de conteúdo.

Como seria no Brasil, onde partidos políticos pouco importam para a maior parte do eleitorado?

Nós desenvolvemos uma pesquisa sobre o assunto tendo em perspectiva o petismo e o antipetismo. Por meio de um desenho experimental, e amostra de mais de 10 mil eleitores, investigamos a frequência de endosso a teorias conspiratórias de conotações política e neutra. Igualmente, testamos estratégias corretivas e possíveis explicações para o aceite ou não da correção.

Avaliando apenas dois dos tópicos políticos usados, vimos que 26% dos respondentes acreditam na teoria conspiratória (comum ao antipetismo) de que haveria um plano para se criar a União das Repúblicas Socialistas da América Latina (Ursal). Percentual idêntico endossa a fabricação (circulante em ambientes do petismo) de que o atentado a Jair Bolsonaro (PL) teria sido plano da própria campanha dele para influenciar o resultado da eleição.

Cidadãos corretamente informados sobre política são pré-requisitos da democracia. Quando decisões políticas são tomadas com base em boatos, eleitores podem fazer escolhas que, talvez, não fariam se fossem informados. Contudo, conteúdos políticos inautênticos são propagados aos milhares. Estratégias de combate —quase sempre— falham. Esbarram, principalmente, nas preferências políticas. Pesquisas também sugerem que a própria tática corretiva pode influenciar no acatamento da correção. É possível, por exemplo, haver o "backfire effect", que seria o reforço da crença errada quando se repete um dado incorreto para depois corrigi-lo.

Nós comparamos a taxa de sucesso da correção com repetição do conteúdo conspiracionista à tática de se apresentar o dado factual diretamente. Ambas foram aplicadas imediatamente após o participante expressar endosso à teoria conspiratória. Primeiro, liam informações sobre eventos políticos. Depois, deveriam escolher entre duas explicações, uma correta e outra conspiratória. Ainda havia a opção "não sei qual resposta é a verdadeira".

Dos que escolheram a explicação conspiracionista, cerca de 2.400 foram aleatoriamente atribuídos a uma das ações corretivas. Após lerem a correção, respondiam se mudavam de opinião, se mantinham a crença inicial ou se já não sabiam mais qual era a explicação verdadeira. Nos dois casos, a rejeição da correção passa dos 68%. Todavia, é animador o fato de 16% dos corrigidos passarem a não mais ter certeza da explicação. A nosso ver, melhor que crer na teoria conspiratória. O aceite é maior, como esperávamos, quando a correção é direta (15% contra 11%). Um teste estatístico mostrou que a diferença, apesar de pequena, não é fruto do acaso amostral. As evidências, portanto, sugerem que é melhor não repetir a inautenticidade ao corrigi-la.

Testamos possíveis explicações para aceitar ou não as correções. Os resultados mostraram que o partidarismo influenciou mais os antipetistas. Se o conteúdo fosse do espectro antipetista, menor seria a chance de acatarem a correção. Para os petistas, os achados sugeriram abertura à correção em ambos os cenários, mas em menor grau nas teorias conspiratórias comuns ao petismo. É uma descoberta em sintonia com outros estudos que mostram efeito mais intenso das preferências políticas entre pessoas conservadoras quanto à crença em inexatidões.

Distúrbios de informação sempre existiram; porém, a velocidade de difusão nas mídias sociais pode elevar seu potencial destrutivo. É esperado que lideranças político-partidárias tenham o mínimo de bom senso e pautem suas disputas em verdades, não em invencionices. Sem esse compromisso, a democracia estará a perigo.

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