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Fernando Frochtengarten

Pelo direito à educação de jovens e adultos

Não chega a ser surpreendente que um Estado autoritário promova o desmanche da EJA

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Fernando Frochtengarten

Doutor em psicologia social pela USP, é diretor do curso de Educação de Jovens e Adultos do Colégio Santa Cruz, em São Paulo

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é a modalidade por meio da qual o Estado brasileiro assegura —ou deveria assegurar— o direito constitucional à educação de pessoas que não puderam concluir a escolaridade básica na idade esperada. Esse contingente hoje é composto por mais de 70 milhões de pessoas acima dos 25 anos que não chegaram ao final do ensino médio e, em sua maioria, não concluíram o ensino fundamental. Apesar disso, de acordo com o Censo Escolar de 2021, que ainda não captura os efeitos da pandemia, as matrículas na EJA chegavam a pouco mais de 3 milhões, o que representa uma queda de 18% em relação a 2017.

O principal traço do alunado da EJA é sua diversidade. Nas escolas convivem pessoas de diferentes idades, locais de nascimento, etnias, religiões e trabalhos. Suas variadas trajetórias biográficas trazem a marca comum da exclusão escolar, que é indissociável dos indicadores de classe, de raça (na EJA predominam pretos e pardos) e de gênero (na EJA predominam as mulheres).

Embora o hiato entre a demanda potencial e o atendimento pela EJA seja uma construção histórica, seu alargamento entra na dívida social do atual governo federal. A redução do orçamento para o setor —que em 2021 foi de 0,6% do valor destinado em 2012—, a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), órgão do Ministério da Educação então responsável pela modalidade, e o esvaziamento da Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA), pela qual a sociedade civil participava do debate sobre o tema, arrasou um setor já antes relegado a um plano marginal em programas de formação de professores e de material didático, assim como nas ações dos estados e municípios, inclusive no que diz respeito à oferta e divulgação de vagas.

Na cidade de São Paulo, a EJA não pode prescindir de uma articulação com outros setores da administração, que assumisse feições sensíveis ao seu público. O trabalho precário, a alta do desemprego, a insegurança alimentar, o transporte incipiente, os longos deslocamentos e a violência noturna ameaçam obliterar as condições físicas e psíquicas para a vida escolar.

Diferentemente do que reza o senso comum, a EJA não corresponde a uma adaptação do currículo "regular", já que o objetivo da escola não deve ser o de recuperar aprendizagens que não puderam cumprir-se no passado, mas atender aos interesses e às necessidades de jovens e adultos no presente.

Este princípio nada tem a ver com a concepção, comumente difundida entre brasileiros urbanos, letrados e de maior poder aquisitivo, de uma suposta superioridade da cultura escolar em relação ao repertório cultural que se desenvolve em outras esferas sociais. No cotidiano da EJA, o diálogo horizontal com os saberes trazidos da vida comunitária, do campo, das ruas ou do trabalho é um fundamento político-pedagógico indispensável, inclusive para o acesso dos educandos a formas de pensar e comunicar-se tipicamente escolares, que ampliam suas possibilidades de participação social.

Não chega a ser surpreendente que um Estado autoritário promova o desmanche da EJA. Afinal, ela pressupõe alguma disponibilidade para uma experiência de sociedade mais democrática e multicultural.

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