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Paulo Corrêa e Ana Helena Ribas

Anvisa acertou ao proibir cigarro eletrônico

Folha se equivoca ao defender regulamentação de uso adulto

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Paulo Corrêa

Coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia)

Ana Helena Ribas

Assessora de comunicação da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia)

O editorial "Fumaça proibicionista", publicado na edição da Folha de 8 de julho, posiciona-se contra a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de manter a proibição do comércio de cigarros eletrônicos. O jornal defende a ideia de que a "solução racional" seria regulamentar seu uso adulto.

No entanto, acreditamos que o debate sobre o cigarro eletrônico é mais complexo do que os argumentos apresentados. Gostaríamos de lembrar que esses produtos são um novo mercado da indústria do tabaco, a mesma que causa 12% das mortes no mundo por ano, principalmente por doenças respiratórias, circulatórias, cardiovasculares e neoplásicas, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde.

Homem fumando cigarro eletrônico - Fotofabrika/Adobe Stock

Essas indústrias bilionárias introduzem novos produtos no mercado e investem em marketing para o público jovem, com o objetivo de aliciar adictos em nicotina. Sobre a dependência, desencorajamos o uso do termo "hábito de fumar" para se referir a uma das mais desafiadoras dependências químicas que existem.

O termo correto seria "adicto" ou "dependente" de nicotina e outras substâncias dos cigarros eletrônicos e convencionais, o que leva à síndrome de abstinência e desejo de consumir mais o produto.

O editorial mencionou o "alto custo social" do proibicionismo, sem levar em conta as profundas raízes de injustiça social da indústria do tabaco, que concentra sua produção em países pobres, utiliza mão de obra infantil, coloca em risco a saúde do trabalhador, perpetua a vulnerabilidade e a dependência econômica dos produtores, polui e diminui a área agriculturável para alimentos.

Outro ponto é que as fabricantes não são transparentes com relação à composição de substâncias utilizadas nos dispositivos eletrônicos para fumar. Diferentemente do que aponta o editorial, há evidências de que os cigarros eletrônicos contenham mais de 2.000 componentes químicos, sendo a maioria ainda desconhecida por quem os consome.

A Folha sugere que o consumo deveria ser liberado para adultos, valendo-se do argumento de que "não cabe ao Estado determinar o que indivíduos autônomos decidem sobre o próprio corpo".

Todavia, devemos reforçar quem são as principais vítimas desse consumo. No Brasil, entre estudantes de 13 a 17 anos, 16,8% já experimentaram cigarro eletrônico, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), que contempla o período de 2009 a 2019. Na região Centro-Oeste, esse percentual chegou a 23,7%.

Além disso, o Brasil é signatário da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT/OMS) e se compromete a "agir para proteger essas políticas dos interesses comerciais ou outros interesses garantidos para a indústria do tabaco, em conformidade com a legislação nacional".

Portanto, é dever do Estado, sim, proteger as pessoas da exposição a aditivos tóxicos e cancerígenos e informar devidamente a população sobre os riscos desses produtos.

Como profissionais da saúde, cuidamos de doenças graves causadas pelo tabagismo. Só no campo da pneumologia, há a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), o câncer de pulmão, a EVALI (síndrome respiratória aguda causada pelo uso de cigarro eletrônico), além de exacerbações (crises) de asma, exposição ao tabagismo passivo, problemas trombogênicos que levam à embolia pulmonar e muitas outras doenças.

Fica a reflexão: "liberar é melhor para quem?". Nem mesmo para o Estado é vantajoso. O cigarro convencional, por exemplo, arrecada pouco mais de R$ 12 bilhões de impostos, mas gera R$ 125 bilhões em perdas diretas e indiretas para a saúde.


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