Descrição de chapéu
Jean Paul Prates

Entre o teto de gastos e a vida, ficaremos sempre com a vida

Não fosse a minoria no Senado, Constituição diria que as leis não valem para as ações que o governo adotar no estado de emergência

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jean Paul Prates

Advogado e economista, é senador (PT-RN), líder da minoria no Senado e relator do PLP 11/2020, que altera as regras de cobrança do ICMS sobre combustível, e do PL 1.472/2021, que cria uma conta de compensação para os preços de derivados de petróleo; mestre em política energética e gestão ambiental (Universidade da Pensilvânia) e em economia de petróleo, gás e combustíveis (Instituto Francês do Petróleo)

O Brasil retrocede a passos largos neste governo, e agora Bolsonaro acelera rumo ao precipício em que já foram jogados o bem-estar social e a institucionalidade. As escolhas equivocadas, e por vezes criminosas, nas áreas econômica e social se somam a um cenário externo desfavorável, multiplicando a inflação e o desemprego que aumentam a fome e derrubam a renda.

Os dogmas do ministro da Economia, Paulo Guedes, impediram a execução de uma estratégia de mitigação da volatilidade internacional dos preços dos derivados de petróleo, como propus em projeto aprovado pelo Senado, que cria a conta de estabilização de preços de combustíveis.

Os preços internacionais já sobem há mais de um ano, e o governo se limitou a culpar governadores por cobrar impostos que financiam educação e saúde. Sofrem os destinatários dos serviços públicos, em especial os mais carentes.

0
O plenário do Senado Federal durante votação da PEC Kamikaze, em Brasília - Waldemir Barreto/Agência Senado

A austeridade foi retomada ainda em meio ao recrudescimento da pandemia em 2021, e se determinou que os valores pagos no Auxílio Emergencial corresponderiam, no referido ano, a 20% do aplicado em 2020. Agora, às portas das eleições, o governo se propõe a novamente flexibilizar o teto de gastos, com a criação de um estado de emergência artificial.

Aliás, observa-se que o arcabouço atual engessa a política fiscal, impedindo seu uso para estabilizar a economia e gerando incentivos à sua flexibilização discricionária, com efeito oposto do que se espera de uma regra. Em vez de previsibilidade, a certeza é que qualquer coisa pode acontecer.

A minoria atuou no Senado para suprimir esse tal estado de emergência, mas não obteve os votos necessários. Por outro lado, conquistou a supressão do dispositivo que afastava restrições legais de toda natureza em relação às medidas da PEC.

A esculhambação jurídica atingiu o paroxismo: não fosse nossa atuação, a Constituição diria que as leis não valem para as ações que o governo adotar no estado de emergência. Incluímos ainda a vedação de uso dos recursos para publicidade e troca de cartões, limitando os valores a pagamento dos benefícios.

É fundamental que o debate prossiga na Câmara, sobretudo em relação ao insólito estado de emergência. Há que se reconhecer a mitigação de danos no Senado, e defendê-la: o governo não conseguiu aprovar o cheque em branco, e a legislação eleitoral deverá ser cumprida.

Apesar das excrescências, no atual momento a decisão posta é a de aliviar ou não o quadro social que assola o país. Desde 2020, defendemos o Auxílio Emergencial de R$ 600. O PT foi o criador do Vale Gás.

Denunciamos o descontrole na política de combustíveis. Tentamos construir soluções. O governo protelou e preferiu o apoio eleitoreiro: passado dezembro, os auxílios somem. Após o voto, quando não for mais necessária a simpatia popular, o governo voltará a tolerar a fome.

O ex-presidente Lula já comparou esses auxílios a um picolé, do qual vai restar apenas o palito nas mãos dos mais pobres. No livro "A Pátria de Chuteiras", o dramaturgo Nelson Rodrigues escreveu que "sem sorte não se chupa nem um Chicabon. Você pode engasgar com o palito ou ser atropelado pela carrocinha". No Brasil de Bolsonaro, virou o ano e fica só o azar.

A minoria segue denunciando a intenção de drible à legislação eleitoral, mas não faltaremos à população carente, que sofre com o caos em curso. Entre o teto de gastos e a vida, ficaremos com a vida.


TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.