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Bruno Caetano

Organizações sociais devem gerir escolas públicas? SIM

Um novo modelo para a educação

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Bruno Caetano

Advogado, cientista social e mestre em ciência política pela USP, foi secretário de Educação da cidade de São Paulo em 2019-2020

É alvissareira a proposta da Câmara de São Paulo que autoriza a Educação a celebrar parcerias com organizações sociais (OSs). Na saúde, desde 1998, diversas OSs (Irmãs Marcelinas, Sírio Libanês, Albert Einstein etc.) administram hospitais públicos paulistas e conseguem ser até 52% mais produtivas e 32% mais baratas para o SUS do que os serviços estatais.

Na educação, a participação das OSs não é completamente inédita. Em São Paulo, 2 em cada 3 crianças estão em creches mantidas por OSs. A combinação da oferta estatal com o conveniamento zerou a fila da creche em 2020. Entretanto, ainda é a área mais refratária à adoção de novos modelos de gestão. A escola pública continua sendo, essencialmente, estatal, e, apesar dos esforços de diretores, professores e famílias, os resultados estão longe do ideal. O último Pisa, com 79 países, coloca o Brasil em 57º lugar em leitura, 70º em matemática e 65º em ciências.

Não se trata de trocar o modelo estatal pelo da parceria, mas sim da saudável convivência de diversas formas de prestação de serviço. Tampouco há que se falar em "privatização", pois a escola gerida pela OS continuará sendo pública e gratuita. Não há perda financeira, já que a Constituição, em seu artigo 213, instituiu modelo misto —estatal e privado— na educação. Nenhuma lei pode reter repasses para entes que apenas cumprem a Constituição, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

A medida trará benefícios. O primeiro, maior agilidade nas contratações. As OSs não se submetem ao emaranhado de ritos e prazos da burocracia estatal. O segundo é que a nova relação jurídica nasce do contrato de gestão e, assim, orientada para o atingimento de resultado. O novo modelo, baseado na CLT, deve ainda combater o gigantesco absenteísmo: todos os dias, 10% das aulas não são dadas. Além do incalculável prejuízo pedagógico, as faltas custam à cidade R$ 700 milhões/ano.

Uma outra vantagem é o maior controle social dos investimentos. O custo médio mensal por aluno na capital paulista é de R$ 1.350, podendo chegar a R$ 1.530 com os gastos previdenciários, mas esses valores hoje permanecem "opacos". O contrato de gestão, ao estabelecer, ex ante, o investimento por aluno, ajudará a sociedade a compreender o esforço orçamentário, cobrar resultados e clamar por novos investimentos. Trará ainda ao gestor foco na atividade-fim (o ensino) e no beneficiário da política (o estudante).

A secretaria paulistana administra hoje, por exemplo, grandes galpões de estocagem de alimentos e tem funcionários concursados para caçar carunchos em feijões! Por fim, mesmo com o acesso universalizado, as OSs ajudarão a acelerar o ensino em tempo integral para todos os estudantes e a eliminar salas superlotadas.

O modelo não é uma panaceia, e o projeto em tramitação precisa de ajustes de modo a garantir: 1) a implementação paulatina; 2) o contrato de gestão com metas de melhoria da aprendizagem; 3) critérios objetivos de escolha entre OSs com experiência e notória reputação; 4) situações objetivas de descredenciamento; 5) valor por aluno às OSs, similar ao do estudante na rede estatal, para a equidade; 6) obrigação de seguir o currículo pedagógico definido pelo estado; 7) realização periódica de avaliações externas da proficiência dos alunos; 8) obrigatoriedade de participação nos exames oficiais; 9) estruturação de sistema de fiscalização; 10) divulgação dos investimentos, auditorias e resultados.
Há um provérbio africano que diz que, para educar uma criança, é preciso uma aldeia inteira. O Estado, sozinho, tem falhado.

É tempo de unir os melhores esforços da sociedade para promover educação pública, gratuita e de qualidade.


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