Descrição de chapéu
Marcelo Schenk Duque

Proteção de dados ou transparência eleitoral?

Divulgar informações detalhadas dos candidatos é imperativo republicano

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Marcelo Schenk Duque

Professor universitário e doutor em direito do Estado, é presidente da Comissão Especial de Reforma Política da OAB-RS

O sucesso de um país pode ser medido pela capacidade de os avanços superarem os retrocessos. Quando se trata de configuração institucional, o Brasil dificilmente apresenta boas respostas.

As regras que regem o processo político e as campanhas eleitorais têm seguido esta lógica. Um avanço recente foi oferecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE): a DivulgaCandContas, uma ferramenta para os eleitores conferirem o patrimônio pessoal dos candidatos.

Porém, um retrocesso veio antes do início da campanha. O TSE, sob o argumento de observar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), restringiu o alcance da ferramenta ao permitir a apresentação dos bens dos candidatos de forma simplificada.

Alguns dias depois, com a campanha em curso, o plenário do tribunal reverteu a decisão sob o argumento de que o dever de transparência exige total publicidade.

Apesar de a decisão ter sido favorável à ampla divulgação, o site do TSE permanece ocultando informações pormenorizadas sobre o patrimônio pessoal dos candidatos.

Divulgar informações detalhadas dos candidatos, em particular sobre seu patrimônio, é um imperativo dos valores republicanos.

É o único meio que permite aos eleitores acompanhar e constatar crescimento patrimonial incompatível com funções previamente exercidas, servindo como alerta para situações de corrupção, fraude ou conflitos de interesse.

No instante em que um candidato não precisa detalhar as empresas que possui, como o eleitor poderá aferir se aquele que pede o seu voto poderá legislar em causa própria?

A possibilidade de ocultar informações essenciais à formação do convencimento do eleitorado e ao controle da lisura das eleições, com fundamento nas diretrizes da LGPD, incorre em erro de avaliação dos bens constitucionais em jogo.

Ponderações equivocadas trazem consigo graves consequências para o ordenamento jurídico.

Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a divulgação nominal dos vencimentos dos servidores públicos não fere o direito fundamental à privacidade, ficou claro que a proteção da privacidade deve recuar em face de interesses republicanos, em prol de toda a sociedade.

Um grande peso foi conferido ao princípio da publicidade administrativa, na condição de um dos mais altaneiros modos de concretizar a República. O "como" se administra deve preponderar sobre "quem" administra a coisa pública, na visão do STF.

A postura do TSE no primeiro momento enfraquecia dois fundamentos da República: a soberania popular, como fundamento de origem da democracia, e a cidadania como seu fundamento de exercício (art. 1.º, I e II CF).

Não se advoga aqui pela revelação de todo e qualquer dados pessoais dos candidatos, como números de telefone ou registros médicos, mas sim que a descrição detalhada do seu patrimônio é indispensável para um controle social efetivo.

É possível que a divulgação de tais informações venha a acarretar cuidados adicionais na segurança pessoal dos candidatos. Todavia, este é o preço que se paga pela natureza e relevância da função de representação política.

A honra e a responsabilidade de exercer cargos públicos sempre impõem sacrifícios, que devem ser proporcionais. A divulgação patrimonial dos políticos está longe de qualquer desproporcionalidade. Pelo contrário, desproporcional é a sua ocultação.

Sonegar informações essenciais à formação do convencimento do eleitorado, acaba por privatizar os benefícios (privacidade) e socializar os prejuízos (déficit fiscalizatório), em detrimento da coletividade.

É verdade que a cultura de proteção de dados está em construção no Brasil e que, por certo, ainda estamos atrasados no tema.

Também é verdade que não é simples obter respostas prontas e acabadas para conflitos que envolvem bens constitucionais relevantes, como a inviolabilidade da privacidade e o direito de fiscalização das opções políticas em um processo eleitoral.

Entretanto, é justamente a dinâmica eleitoral brasileira que recomenda um olhar cauteloso no emprego da LGPD, quando o efeito é um déficit de transparência que dificulta a formação de um juízo seguro quanto às opções eleitorais.

O princípio da transparência é um dos vetores imprescindíveis à administração pública. Impõe-se ao TSE a tomada de imediatas providências para que as informações sonegadas sejam imediatamente liberadas.

Trata-se de medida voltada a garantir um modelo de democracia, em direção republicana e não personalista, e se afastar da nefasta cultura de apego ao poder e de manutenção de privilégios.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.