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Cláudio Couto

O voto útil favorece o processo democrático? SIM

Cabe ao eleitor decidir se acatará ou não o apelo dos candidatos

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Cláudio Couto

Cientista político, é professor da FGV-Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), pesquisador do CNPq e produtor do canal/podcast “Fora da Política Não há Salvação”

Há uma coisa óbvia a respeito das eleições, mas que precisa ser lembrada: políticos em campanha sempre pedem votos. Se pedem votos, pedem aos eleitores que votem neles, não em seus concorrentes. Isso é da essência da disputa eleitoral e, portanto, da democracia. Um candidato só é mais votado porque seus eleitores não votaram em outros, dos quais se faz um esforço legítimo para "roubar" votos.

Logo, pedir voto útil a eleitores nada mais é do que dizer o que sempre se diz em campanhas eleitorais: "Votem em mim, não em meus adversários".

Montagem com candidatos a presidencia Luiz Inacio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), e Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes
Os líderes das pesquisas Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) - Eduardo Anizelli e Pedro Ladeira/Folhapress e Divulgação

Na democracia, cabe apenas ao eleitor decidir se acatará o apelo dos candidatos. Se deixa de votar em sua alternativa favorita, nada mais faz do que exercer sua liberdade de escolha. E pode ter razões várias para decidir que, nas circunstâncias de uma eleição, valha mais a pena optar por uma candidatura que, sob conjunturas diferentes, não seria escolhida —ao menos não no primeiro turno.

Fazemos rotineiramente escolhas assim em várias esferas da vida, ponderando que em certas situações o ótimo é inimigo do bom. Isso é não só racional, mas legítimo econômica, política ou moralmente —dependendo do que estiver em jogo. Alguns chamariam de subótimas tais escolhas; resultam de restrições objetivas ao tomador de decisão —isto é, são externas a quem decide, dependendo mais da situação posta do que da vontade da pessoa. Dadas tais restrições, escolhas subótimas se tornam as melhores possíveis.

Enfatizo o "possíveis", pois é sabido que a política é a arte do possível. Daí, escolher entre o desejável e o razoável, ou entre o desastroso e o desagradável, se impõe aos agentes políticos, sejam eleitores comuns ou políticos profissionais. Isso nos ajuda a entender o voto útil. Se eleitores de uma candidatura consideram que sua opção favorita não tem chance efetiva de vitória, podem avaliar se faz sentido votar numa opção subótima. O cálculo depende do que está em jogo na eleição.

Se estão em disputa apenas programas de governo distintos, porém legítimos, ou níveis desiguais de competência política de candidatos, faz sentido votar na opção favorita, deixando para um segundo turno a inevitável escolha subótima.

Contudo, se o que estiver em jogo for coisa muito mais fundamental —por exemplo, a democracia—, aí certamente é melhor votar para salvaguardar o fundamental. Afinal, se o fundamental é perdido, perde-se o resto também. Noutros termos: se a democracia for posta em risco, há o perigo de futuramente não ser possível seguir fazendo escolhas ótimas —ou sequer subótimas.

Tal situação faz com que, neste momento, surjam apelos ao voto útil em Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Dado o caráter autoritário do bolsonarismo e suas ações já em curso para solapar a democracia, talvez o mais prudente seja eliminar o quanto antes a ameaça, sem pagar para ver. Quanto mais o tempo passa, mais se intensificam as ações antidemocráticas do atual presidente. Logo, havendo segundo turno, Jair Bolsonaro (PL) terá mais tempo para aprofundá-las.

Não é só isso. Já tendo sido eleitos congressistas, deputados estaduais e governadores, o questionamento do resultado apenas do segundo turno da eleição tende a lhes mobilizar menos na defesa do processo eleitoral e, portanto, da democracia.

Eis porque encerrar a contenda no primeiro turno significa não só eleger um candidato melhor ou pior, mas defender o próprio regime. É o que está em jogo.

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