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Janine Giuberti Coutinho e Paula Johns

Políticas públicas são reféns de gigantes da alimentação

Atuação de grandes corporações colabora para o avanço da obesidade

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Janine Giuberti Coutinho

Coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)

Paula Johns

Diretora-executiva da ACT Promoção da Saúde

Reduzir a vergonhosa estatística da fome de um país que se vende como celeiro do mundo deveria ser a prioridade de qualquer um almeje chegar à Presidência da República.

A solução, sabemos, envolve uma gama de fatores, como a implementação de políticas públicas que promovam um ambiente alimentar mais justo. O lançamento do "Dossiê Big Food - Como a Indústria Interfere em Políticas de Alimentação" destaca armadilhas e desvios que se interpõem no trajeto para tirar do papel propostas capazes de melhorar a qualidade de vida da população.

O levantamento, uma iniciativa da ACT Promoção da Saúde e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), revela a dimensão da gravidade da situação lembrando que, enquanto um décimo da população não tem o que comer, mais da metade sofre de algum tipo de insegurança alimentar. Além disso, a falta de acesso a uma dieta saudável atua decisivamente para elevação dos casos de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), problemas como diabetes, câncer e complicações cardiorrespiratórias, entre outros agravos, que respondem por 72% das mortes prematuras.

Não estamos diante de um fenômeno isolado. A escalada das DCNTs no contexto internacional chamou a atenção do Banco Mundial. A instituição passou a associar o problema às políticas econômicas durante a Conferência do Prêmio Príncipe Mahidol, na Tailândia, em 2019. Na ocasião, estudo coordenado pelo pesquisador neozelandês Boyd Swinburn mostrava como a atuação das grandes corporações —desde o sistema de produção até as estratégias de venda— vem colaborando de forma decisiva para o fenômeno conhecido como "Sindemia Global de Obesidade, Desnutrição e Mudanças Climáticas".

Aqui no Brasil, observa-se claramente a relação entre a explosão dos casos de DCNTs e fome com o avanço de um modelo comprometido com o lucro das grandes corporações. O "Dossiê Big Food" joga luzes sobre oito casos. Reúne histórias devidamente documentadas de privilégios, tal e qual a concessão de incentivos fiscais para a fabricação de alimentos associados a doenças. Revela evidências de obstrução de informação, exemplo das manobras para impedir os selos de advertência nos rótulos dos ultraprocessados. Ou, ainda, a propagação de discursos que tentam reduzir graves problemas de saúde pública, como a obesidade, à mera questão de mudança de hábito.

Em algumas situações, como a operação para desqualificar e boicotar o Guia Alimentar para a População Brasileira, fica evidente o apoio de políticos e pesquisadores financiados pelo setor. Recentemente, durante os momentos mais dramáticos da pandemia de Covid-19, observa-se a ampla repercussão nos meios de comunicação de atos de autopromoção disfarçados de filantropia.

Acreditamos, portanto, que ampliar a divulgação dos obstáculos que vêm dificultando o acesso da maioria a uma vida mais saudável e sustentável significa aumentar as chances de a população cobrar dos tomadores de decisão escolhas mais transparentes, baseadas nas melhores evidências e livres de conflitos de interesse.

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