O nariz arranhado com a tinta branca e o pouco de sangue nos pontinhos recém-abertos borrando um rosa. As listras do asfalto no lugar do céu, eu voando rente, ralando o ossinho da bacia numas projeções de nuvens espalhadas. Sumiram sem fazer formas de bichos. Que baque! A vista na sonolência embaçada, um pouco de dor nas mãos, vento de sal.

Movo devagar um braço, com esforço de dois, a testa estufada, vai ficar roxa amanhã, mas sempre melhora depois e agora é mais simples, finalmente, faltam poucos dias.

A bicicleta retorcida, forma de ostra em cima de mim, o fone de ouvido entrou até o cérebro, não sei puxar sem doer demais, um médico resolve fácil. Meu melhor sono vai ser dessa vez, tenho certeza agora, depois de quatro anos sem. A situação era triste, perdura, centenas de milhares de pessoas a menos, tensão estendida a não alcançar limite. Agora o riso ensaia, anestesia para todos os problemas, nem tenho pressa de acordar, só daqui a poucos dias.

Meu pé direto enroscado na corrente, alguém me olha com pena, não sinto nada, deve ser impressão. Centenas de milhares de luto, dezenas de milhões de fomes. Vista turva, farol alto cozinhando o olho, minha sobrancelha raspada no meio apagou repentina, não sobrou nada pra mim. Se morrer for isso, eu gostei, mas preciso esperar um pouco mais, vale a pena, faltam pouquíssimos dias.

Sinto um repuxo do nervo, acho que é nervo, saindo da nuca e emendando tudo, penso no carnaval e melhora. Não entreguei o trabalho da semana passada, a cobrança chegou, mas não vi, não me mexo, não tenho acesso a quem me busca, eu mesma me busco e não acho. Penso no meu pai, que morreu faz muitos anos, não foi tragédia, foi só a morte passando, mas doeu feito injustiça. O trânsito vai sufocar daqui a pouco, alguém precisa me ver e ajudar, me ver e avisar que eu não vou, me ver e eu olhar de volta pra gritar: fica tranquila, faltam poucos dias!