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Rubens Naves

O governo Tarcísio deve privatizar a Sabesp? NÃO

Empresas internacionais têm sido reestatizadas para se pensar a longo prazo

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Rubens Naves

Advogado, é autor de “Saneamento para Todos” (ed. Palavra Livre) e “Água, Crise e Conflito em São Paulo” (ed. Via Impressa); professor aposentado de Teoria Geral do Estado (PUC-SP)

Em 2020, o novo Marco Legal do Saneamento fixou metas para a universalização dos serviços até 2033: acesso de 99% dos brasileiros à água potável e de 90% à coleta e ao tratamento de esgoto. Hoje, cerca de 15% da população ainda não recebe água, 45% não têm esgoto coletado e metade dos esgotos não é tratada.

As metas são um grande desafio, que precisa ser priorizado por governos e sociedade, dada a importância do saneamento para a saúde pública, o combate à pobreza, o equilíbrio socioambiental e o desenvolvimento socioeconômico.

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Estação de tratamento de água da Sabesp, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo - Gabriel Cabral - 27.jul.19/Folhapress

A Sabesp é a maior empresa de saneamento do país, referência internacional de qualidade. Ela atende cerca de 30 milhões de pessoas em 375 municípios, nos quais 98% dos habitantes contam com abastecimento de água e mais de 90% têm esgoto coletado, sendo 85% dos esgotos tratados. De 2016 a 2020, a companhia investiu quase R$ 21 bilhões, um terço do total nacional de investimentos em saneamento. Há mais de três décadas a empresa não recebe aportes estatais, e hoje seu lucro anual líquido está na casa dos R$ 2,5 bilhões.

Empresa de economia mista, a Sabesp tem controle acionário (50,3%) do governo paulista e ações negociadas em bolsas de valores. Esse modelo combina fidelidade ao interesse público, planejamento de longo prazo, sustentabilidade socioeconômica e ambiental, inovação tecnológica e permanente busca de eficiência. A Sabesp, que sempre fez parcerias com a iniciativa privada em sua cadeia produtiva, está posicionada para cumprir as metas de universalização e para novas associações com empresas e investidores privados, inclusive para atuar em outros estados e produzir energia renovável.

Defensores da privatização dizem que ela traria mais investimento e eficiência em decorrência da plena adesão ao modelo de mercado. Persuasivo no final do século passado, esse lugar-comum é cada vez mais contraditado por evidências —sobretudo se avaliados fatores como evolução do valor das tarifas, sustentabilidade socioambiental, atualização da infraestrutura e atendimento às populações mais pobres.

Hoje, a tendência internacional é inversa. Em reportagem de 25 de outubro ("Empresas como a Sabesp, que Tarcísio cogita privatizar, são as mais reestatizadas no mundo"), esta Folha informou que 226 empresas de serviços integrados de água foram reestatizadas nos últimos anos —evidência de que a centralidade da iniciativa privada muitas vezes não é a melhor solução. Realidade agravada pelas mudanças climáticas e pela urgência de melhor gestão da água, com foco no longo prazo —que tende a colidir com interesses financeiros de mercado.

Grandes negócios atraem interesses poderosos. Alguns se beneficiariam da multibilionária privatização da Sabesp. A história recente mostra também que governantes e políticos podem colher frutos de curto prazo, inclusive eleitorais, "fazendo caixa" com privatizações.

Nos últimos anos, o Brasil foi submetido à desconstrução da gestão pública em nome de slogans simplistas que encobriam interesses particulares. Precisamos reverter retrocessos. O desafio urgente da universalização sustentável do saneamento básico requer a superação de mitos ideológicos (privatistas e estatistas) e o aperfeiçoamento de modelos que combinem vocações e motivações públicas e privadas.

Devemos nos opor à privatização da Sabesp por pragmatismo e pelo reconhecimento de que os desafios contemporâneos exigem mais e melhor condução estratégica do poder público, em parceria com a sociedade civil. Sob controle público, a companhia paulista de saneamento é o nosso maior e mais qualificado ativo nessa empreitada. É hora de defendê-la e fortalecê-la.

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