Descrição de chapéu
Beatriz Bracher

Qual frente ampla vai governar o Brasil?

Viabilidade não se constrói apenas com o Congresso, mas com a sociedade

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Beatriz Bracher

Escritora

A impressão que se tem, nesta terça-feira (20), dia em que escrevo este artigo, é que há duas frentes amplas. Uma que foi necessária para a chapa Luiz Inácio Lula da Silva (PT)-Geraldo Alckmin (PSB) eleger-se, em que Simone Tebet (MDB) e Marina Silva (Rede) foram a face mais pública e significativa, e uma segunda, que vem sendo montada para que a chapa eleita e diplomada governe.

Creio que não seria errado chamar a primeira de frente ampla civil e a outra de frente ampla parlamentar. Ocorre que se as figuras que encarnaram essa amplitude da frente durante a eleição, Simone e Marina, foram capazes de carregar os votos necessários para a vitória apertada, sem os quais ninguém duvida que a chapa não seria eleita, elas podem não assegurar os votos parlamentares que serão necessários para ajudar na governabilidade do novo governo.

Lula ao lado de Simone Tebet e Marina Silva durante caminhada com o povo em Teófilo Otoni, Minas Gerais
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao lado de Marina Silva (Rede) e Simone Tebet (MDB) durante a campanha eleitoral, em outubro, em Teófilo Otoni (MG) - Ricardo Stuckert - 21.out.22

Parece-me que só pode ser este o motivo da demora em se definir para quais ministérios Marina e Simone serão convidadas. Se é que o serão.

Se minha impressão estiver certa e a frente ampla civil for colocada de escanteio, se existe a chance de ambas ficarem de fora do governo (ou por não serem convidadas ou por serem convidadas de forma que seja mais uma artimanha do que um convite), além de eticamente muito feio e de dar amparo à máxima "é apenas o PT sendo PT", parece-me ser um grande erro justamente pensando na sustentabilidade do governo que se inicia e que carrega a esperança de tanta gente.

Penso que a viabilidade de governo não se constrói apenas na relação do Executivo com o Legislativo. Cada vez mais a população brasileira e, mais especificamente, a sociedade civil organizada em instituições, movimentos e coletivos, desempenham papel fundamental na política brasileira, seja na formulação, na implementação ou na fiscalização das políticas públicas.

O desmonte da política social e ambiental brasileira só não foi maior durante este período que agora se encerra por causa da sociedade civil organizada. Diferentemente de 20 anos atrás, a atuação desse setor tem impacto real na hora de resistir e defender suas causas, de fazer um barulho eficiente para jogar luz sobre os problemas e pressionar quem deve ser pressionado.

Por mais engenhosas que sejam as negociações, nem sempre haverá paz entre os Poderes da República. Neste momento, será para a população que o Executivo irá se voltar para seguir em frente com seu projeto e, nesta situação, importará muito a disposição das pessoas para acreditar que vale a pena apoiá-lo. Além disso, essa população é a mesma que reelegerá ou não os parlamentares e, por esse motivo, sua pressão é sempre poderosa.

Hoje, por mais que se ouçam críticas sobre a maneira como este governo vai se formando, a memória do pesadelo que foi o mandato de Jair Bolsonaro (PL) está muito fresca na cabeça de todos. Mas, conforme o tempo for passando, a teia dessa lembrança, hoje tão nítida, irá desfiar pouco a pouco. Sem lideranças em que parte da população se sinta representada dentro do Executivo, virá à mente de muitas pessoas a impressão de que o governo que se foi não era tão ruim assim.

Sabemos que isso acontecerá de qualquer maneira; sempre há o desgaste de todo governo e o apagamento dos erros do passado, mas penso que se a frente ampla civil, aquela que na eleição pareceu tão verdadeira e que entusiasmou tanta gente, for uma realidade dentro do governo, muitos se lembrarão de por que votaram na chapa Lula-Alckmin.

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