Descrição de chapéu
O que a Folha pensa AGU

Em nome da verdade

Mirar manifestação do pensamento para coibir desinformação não cabe ao Executivo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo federal - Sérgio Lima/Folhapress

O ansiado retorno aos padrões de normalidade institucional no Brasil exige um esforço de autocontenção dos que detêm poder de Estado. Valer-se de posições privilegiadas para acertos de contas partidárias ou ideológicas seria validar, em negativo, o método dos populistas derrotados em outubro.

Despertam preocupação, a propósito, algumas iniciativas adotadas por autoridades recém-empossadas no governo federal que, sob a intenção declarada de combater a desinformação, assestam contra manifestações do pensamento.

Decreto presidencial do primeiro dia do ano criou, na alçada da Advocacia-Geral da União (AGU), a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia. Foi incumbida de representar o poder federal no "enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas".

Já sob a Secom, o musculoso braço de comunicação da Presidência da República, foi estabelecida uma Secretaria de Políticas Digitais, também com a função expressa de antepor-se "à desinformação e ao discurso de ódio na internet".

Uma Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade constou das promessas, ao assumir, do novo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.

Estabelecer a fronteira entre um discurso ilegal, como o que incide no crime de ameaça, e manifestações —ainda que estúpidas, falsas e mentirosas— resguardadas pela Constituição não tem sido tarefa trivial nem sequer para o Poder Judiciário, imparcial por definição.

Têm ocorrido episodicamente exageros, que incluem censura e outras medidas cerceadoras das liberdades individuais sem que fique patente a conduta delituosa.

A situação se complica quando um ator constitucionalmente parcial como a chefia do Executivo, a cargo de um político eleito, se coloca na posição de definir o que é verdade ou mentira para fins de movimentar a ubíqua máquina federal.

Os juízos doutrinários, de conveniência e partidários, típicos do exercício do governo, passarão fatalmente a nortear a ação dos caçadores de fake news cuja nomeação depende do Palácio do Planalto. Daí até a perseguição de adversários é um pequeno passo.

A ordem natural das coisas numa democracia instituída é esperar que venha do governo o turbilhão de mentiras, distorções e escamoteamento de fatos e dados importantes. Não por acaso, as agências incumbidas de moderar o apetite do Leviatã, impondo-lhe transparência e respeito às leis, detêm autonomia e estão fora do Executivo.

Apostar em mais uma rodada de confusão de papéis institucionais no Brasil é receita certa para a instabilidade política. A administração federal não tem de se meter no terreno da expressão dos cidadãos.

editoriais@grupofolha.com

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.