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Ronaldo Mota

Racionalidade versus polarização: um tema educacional urgente

Inação de escolas e docentes favorece os antagonismos e extremismos

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Ronaldo Mota

Membro da Academia Brasileira de Educação e ex-secretário nacional de Educação Superior do Ministério da Educação (2007-08, governo Lula)

O século 20 foi um período miraculoso para a civilização humana. Iniciamos com uma expectativa média de vida de 43 anos e o findamos com incríveis 76. Saneamento básico, incluindo água potável, penicilina e vacinas, bem como a redução significativa da miséria e da fome, contribuíram muito para essas conquistas. O que conecta esses avanços e outros é o cultivo das bases do Iluminismo e a consequente valorização da cultura, da ciência e da educação.

Ao longo do século 21, juntamente com o florescimento de uma sociedade digital, onde toda a informação está acessível, sendo instantânea e basicamente gratuita, nos deparamos com elementos impensáveis e contraditórios, tais como fake news, negacionismos da ciência e a abundância de inconsistentes teorias conspiratórias.

O fruto final do caos instalado coloca em xeque a concepção primordial humana de que a racionalidade é nossa principal bússola orientadora. Na verdade, o pressuposto da racionalidade ganha, recentemente, especial relevância como sendo uma das ferramentas que temos para evitarmos polarizações inconsequentes.

O que caracteriza sobremaneira a racionalidade é ela ser fruto de uma comunidade de pensadores que submetem suas próprias crenças a exames rigorosos de falseamentos, calcados no método científico. O que caracteriza um cientista ou uma pessoa racional não é a defesa intransigente de uma suposta verdade pessoal, mas sim a sua inerente disposição para sempre questionar suas próprias convicções, tentando explorar todas as possibilidades de falhas naquilo que ele mesmo assume originalmente como sendo sua crença preliminar. É assim que um cientista ou um indivíduo racional se distingue de um charlatão ou de um fanático.

A gravidade das circunstâncias atuais demanda um conjunto de medidas saneadoras, as quais certamente incluem atitudes educacionais, trazendo para a escola o compromisso de lidar com estes novos tempos. Trata-se de cultivar a importância da lógica, dos raciocínios crítico e analítico, da distinção entre casualidade e correlação, dos elementos básicos de estatística e probabilidades e de todos os demais alicerces da racionalidade e do pensamento científico ancorados na racionalidade e no método científico.

Vivenciamos uma encruzilhada civilizatória, onde a inação da escola e dos docentes, enquanto responsáveis pelo espaço de formação, favorece os antagonismos, os extremismos, não a racionalidade.

Mesmo cientes de que uma formação racional acadêmica, isoladamente, não é garantia de sufocarmos intuições primitivas e perversas, a ausência da razão é território próspero para radicalismos não embasados. Espaço esse que se transforma em gerador de ambientes que aceitam como verdades as falácias, desprovidas de evidências, e de pessoas dispostas a ações desamparadas de qualquer racionalidade ou de justificativas dialogáveis.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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