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Mychael Lourenço

Afinal, estamos avançando no tratamento da doença de Alzheimer?

Descobertas ainda não representam a cura, mas podem atrasar evolução

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Mychael Lourenço

Doutor em química biológica com ênfase de atuação em neurociências (UFRJ), é professor-adjunto do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis

Muitas pessoas se perguntam se irão desenvolver a doença de Alzheimer em alguma etapa da vida. É natural que, à medida que envelhecemos, esqueçamos informações importantes, especialmente em momentos de estresse ou distração. Essa preocupação ainda se justifica também pela frequência com que vemos um familiar ou amigo com Alzheimer.

A doença de Alzheimer afeta mais de 35 milhões de pessoas em todo o mundo —no Brasil, em torno de 1,2 milhão. No entanto, é possível que esses números estejam subestimados, dadas as dificuldades de diagnóstico em nosso país. Mas, afinal, como a ciência tem avançado nesta área?

Projeção da startup francesa SocialDream mostra o Dreamsense, protótipo de fone de ouvido de realidade mista para estimular a memória de pacientes com Alzheimer com vídeos imersivos - Patrick T. Fallon - 7.jan.23/AFP

O Alzheimer ainda não tem cura. Os medicamentos atualmente disponíveis têm um efeito modesto no início da doença, mas não modificam o curso degenerativo, infelizmente. Hoje sabemos que pacientes de Alzheimer possuem acúmulo cerebral de duas proteínas que caracterizam a doença: beta-amiloide e tau.

Embora todos nós tenhamos essas proteínas em nossos cérebros, elas adquirem formatos estranhos e se agregam no cérebro de pacientes, fazendo com que os neurônios funcionem mal e passem a ter dificuldade em se comunicar através das sinapses. Tais mudanças começam a acontecer anos (ou décadas) antes de os primeiros sintomas surgirem.

Não é surpreendente, portanto, imaginar que muito esforço tem se concentrado em buscar terapias contra beta-amiloide e tau. Mas a grande maioria dos testes em humanos não funcionou como esperado ou então gerou efeitos colaterais indesejados, o que até levou a suspeitas de que estaríamos seguindo pelo caminho errado. Ou seja: que beta-amiloide e tau nada tinham a ver com a perda de memória no Alzheimer.

Em 2021, um medicamento antiamiloide chamado aducanumabe foi aprovado pela agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA). No entanto, sua aprovação nos EUA veio com muitas controvérsias, uma vez que o benefício real da medicação para grande parte dos pacientes não ficou claro.

Mas, em novembro de 2022, uma boa notícia foi divulgada: uma nova versão de um anticorpo contra beta-amiloide chamada lecanemab apresentou, pela primeira vez, resultados claros de redução do declínio cognitivo em pacientes com Alzheimer inicial ou moderado. Esses resultados não são a cura, mas são uma pequena vitória, já que mostram que é possível ao menos atrasar a evolução do Alzheimer.

Agora, em janeiro deste ano, o FDA aprovou o uso do lecanemab em pacientes de Alzheimer nos EUA. Mais estudos são necessários para melhor avaliar o custo-benefício (preço, efeitos colaterais e eficácia) do lecanemab. Por aqui, a Anvisa ainda terá de avaliar e decidir sobre o novo medicamento. Devemos ser otimistas, no entanto, pois estamos cada vez mais rapidamente entendendo a doença de Alzheimer e os testes clínicos parecem apontar na direção certa.

Avanços recentes também indicam que, dentro de alguns anos, deverá ser possível identificar pessoas em risco ou em etapas pré-sintomáticas da doença de Alzheimer a partir da detecção de beta-amiloide e tau em exames de sangue. Essa abordagem ainda não está disponível comercialmente, mas o diagnóstico precoce do Alzheimer pode aumentar as chances de uma terapia mais efetiva.

Por fim, hoje sabemos que um estilo de vida saudável ao longo do envelhecimento reduz as chances de se desenvolver Alzheimer. Ou seja, praticar exercício físico e atividades que estimulam o cérebro, balancear a alimentação, melhorar a qualidade do sono, não fumar e reduzir o estresse são todas medidas boas para o cérebro (e para o resto do corpo).

Assim, há razões para estar otimista com a pesquisa em Alzheimer em todas as suas frentes, incluindo mecanismos, diagnóstico precoce, prevenção e terapia. Felizmente, grupos brasileiros de pesquisa em Alzheimer, como na UFRJ, UFRGS, UFMG e USP, têm tido importante reconhecimento internacional, o que também é um motivo para comemorarmos. A ciência está motivada em busca de melhores abordagens para a doença de Alzheimer e outras demências.

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