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Gabriela Couto e Carlos Nobre

Desastres do clima, gênero e sobrevivência

Certos grupos são mais capazes de se antecipar e responder a tragédias

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Gabriela Couto

Doutora em ciência do sistema terrestre (Inpe), é autora e cocriadora da plataforma Sobrevidas

Carlos Nobre

Climatologista, é pesquisador sênior pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia; foi eleito em maio de 2022 como membro estrangeiro da Royal Society

Já se passaram 12 dias desde o acontecimento da tragédia de Carnaval no litoral norte de São Paulo. A imprensa tem trazido dados com os números de óbitos e as histórias de vida e morte das vítimas, assim como conhecimento e opiniões de especialistas sobre as possíveis principais causas de tamanha catástrofe e as necessidades para a redução do risco de desastres, como o uso do conhecimento científico, de políticas públicas de organização territorial, educação apropriada e redução de desigualdades.

De acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres, tragédias globais como tempestades, deslizamentos de terra, temperaturas extremas, furacões e secas, entre outras, têm sido responsáveis, nos últimos 20 anos, pela morte de cerca de 60 mil pessoas por ano e afetam um total de mais de 4 bilhões de pessoas. Nas nações mais pobres e com maior desigualdade social, contudo, as consequências são ainda piores.

Cada situação de desastre apresenta suas singularidades, e perguntas referentes ao contexto, local de ocorrência e circunstâncias sob as quais as pessoas vivem são levantadas e ficam sem respostas. Teria sido diferente o número de mortes e vítimas se os deslizamentos no litoral tivessem ocorrido em plena luz do dia? Se os modelos climáticos tivessem projetado os 600 milímetros de chuva em 20 horas? Ou ainda se o local do acontecimento e as circunstâncias sob as quais as pessoas vivem fossem outros? Teriam as pessoas saído de suas casas se sirenes —que não existem na região— tivessem sido acionadas?

Apesar das singularidades de cada evento, reconhece-se em todo o mundo que os desastres são sensíveis a gênero, ou seja, que as desigualdades sociais e o menor status socioeconômico de mulheres e meninas, quando comparados aos homens, influenciam e determinam a vulnerabilidade antes, durante e depois do desastre. Vulnerabilidades que tem como consequência, sobre aquelas e aqueles que foram capazes de sobreviver a um desastre, o incremento de condições que agravam ainda mais as desigualdades de gênero já existentes nas sociedades, fortalecendo e propagando esse círculo vicioso.

O recente estudo intitulado "Climate Related Disasters in Brazil through a Gender Lens: @Sobrevidas and Female Voices", concluído como produto de tese de doutorado pelo Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), provou que no Brasil, de 1979 a 2019, o número de mortes por eventos hidrometeorológicos é menor entre as mulheres. No grupo feminino, crianças e jovens de 0 a 19 anos apresentam o maior índice de óbitos, ainda que as fatalidades também se diferenciem por raça/cor.

O número diferencial de mortes por idade, sexo e raça/cor levanta importantes questões e nos traz o desafio de identificar o que faz certas pessoas/grupos mais capazes de se antecipar, responder e sobreviver a uma situação de desastre. Pesquisas em todo o mundo que trabalham com desastres sob a perspectiva de gênero apontam as mulheres como parte vital dos esforços de respostas, enfatizando conhecimentos e habilidades específicas em contextos de ameaça, risco e recuperação.

Será conversando e ouvindo os sobreviventes do litoral norte paulista, de Recife (maio de 2022), de Petrópolis (fevereiro de 2022) e da região serrana do Rio de Janeiro (2011) que estaremos mais preparados para responder a essas perguntas.

Precisamos das narrativas dos que conseguiram sobreviver, ouvir suas histórias e reconhecer os desafios e as capacidades para lidar em situações de desastres. E assim podermos apontar estratégias e elaborar políticas públicas de suporte àqueles que vivem desafiados a lidar com as intempéries. A ciência demonstra: os eventos extremos serão mais frequentes e intensos. A hora é agora!

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