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Gilson Rodrigues

Tapinhas nas costas e serviços básicos não evitam desastres

Quem tem a caneta na mão sabe do risco iminente de novas catástrofes

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Gilson Rodrigues

Líder comunitário de Paraisópolis, na cidade de São Paulo, é presidente do G10 Favelas

As fortes chuvas que castigaram o litoral norte paulista no Carnaval e alagaram casas, vielas e ruas de São Paulo não são fenômenos isolados. Muito menos consequências naturais. Já se sabe o endereço de onde serão os próximos desastres: eles estão mapeados e organizados nas mesas dos que estão no poder.

Tudo isso é consequência da falta de políticas públicas efetivas, que garantam o direito habitacional com dignidade de vida para as comunidades mais vulneráveis do nosso país. É mais uma violência do Estado contra a população mais carente, que mora em casas pequenas, em cima de córregos e com famílias numerosas, tratada como marginal e violenta. Não somos violentos nem tampouco marginais. Somos, sim, violentados todos os dias pela ausência de políticas públicas.

Os "tapinhas nas costas" recebidos nos anos de eleições e a cada grande desastre não estão evitando mortes e perdas. Na verdade, mascaram o descaso e a falta de comprometimento do poder público, que nos seus planos de governo nem sequer citam as palavras "periferia" e "favelas", silenciando nossas necessidades.

Foram ao menos 65 mortos no litoral norte —três deles viviam em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Nesta mesma época, em outros anos, estávamos enterrando mais moradores de áreas de risco por deslizamentos decorrentes de fortes chuvas. Teresópolis em 2011, Espírito Santo em 2013, São Paulo em 2021, Petrópolis, Bahia e Paraisópolis em 2022, litoral norte em 2014 e 2023 e tantas outras nem divulgadas.

Muitas instituições, organizações e até mesmo órgãos públicos estão unindo esforços para auxiliar de modo emergencial às famílias atingidas pelos desastres, então tidos como "naturais". A desapropriação compulsória é uma ação paliativa; no entanto, essas famílias não desejavam viver em áreas de risco. Elas não foram retiradas antes, voluntariamente, porque faltou do poder público a política pública correta para atender essas famílias. Cestas básicas, auxílio-aluguel e outras doações são necessárias, mas precisamos de mais: políticas públicas que resolvam os problemas.

Estamos falando sobre auxílio psicológico para as vítimas, principalmente as que perderam entes queridos. É sobre programas que assegurem moradias novas, com eletrodomésticos novos, em localidades que não estão sob efeito de riscos climáticos, com as necessidades básicas garantidas, não distantes da vida urbana e das concentrações culturais e de socialização. Estamos falando de oportunidade de emprego para restituírem suas autonomias.

O Brasil teve quase 4.000 mortes por deslizamentos de terra nos últimos 24 anos, segundo o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

As chuvas intensas e as enchentes passam, mas os traumas, perdas e consequências desses desastres, não. Não é hora de tapinhas nas costas. É hora de agir. Quem tem a caneta na mão sabe do risco de novas tragédias, e que elas são iminentes.

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