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Tarso Genro e Pedro Abramovay

É hora de rever o Marco Civil da Internet

Plataformas devem ser responsabilizadas pela desinformação em massa

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Tarso Genro

Advogado e ex-ministro da Justiça (2007-10, governo Lula)

Pedro Abramovay

Advogado e diretor para a América Latina da Open Society Foundations

O Marco Civil da Internet, instituído no Brasil e debatido durante o segundo governo Lula (2007-10) a partir de iniciativa do Ministério da Justiça, quando ocupávamos os cargos de ministro e secretário da pasta, foi o primeiro projeto de lei do mundo a ser elaborado de maneira colaborativa pela internet.

No conteúdo, o projeto conseguiu reverter uma tendência autoritária que ameaçava a liberdade na internet e construiu uma regulação que teve como eixo fundamental a construção da rede como um espaço de afirmação de direitos. Princípios como a neutralidade da rede e a necessidade de ordem judicial para que conteúdos fossem retirados foram essenciais para que o Brasil se tornasse vanguardista no debate global sobre a internet livre, mas com possibilidade de controlar seus abusos criminosos.

Agora, quando nos aproximamos de uma década de vigência do Marco Civil da Internet (a lei 12.965 foi sancionada em 23 de abril de 2014), é necessário reconhecer que a rede é outra. O marco civil entrou em vigor antes do brexit, dois anos antes da eleição de Donald Trump nos EUA e quatro anos antes da eleição de Jair Bolsonaro. Ou seja: começou a valer antes de as redes mostrarem sua face mais perversa diante das democracias do mundo todo.

Uma onda de líderes autoritários, em diversos países, se utilizou de sofisticados mecanismos de desinformação para promover o maior ataque às democracias já visto desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto, é impossível não se pensar em uma revisão da regulação prevista no regramento. Em primeiro lugar porque o marco civil é produto de um processo democrático de debate público. Não há dúvidas de que o consenso alcançado para a sua aprovação seria outro neste momento. Além disso, essa lei não foi pensada para ser um escudo de proteção para atividades golpistas, e sua nova regulação democrática deve estar à altura de seu momento histórico.

Também é forçoso reconhecer que uma revisão do marco civil foi feita a fórceps pelo Tribunal Superior Eleitoral durante as últimas eleições. Revisão necessária para garantir o bom funcionamento da democracia, mas perigosa por ter alijado o Parlamento de seu papel protagonista na elaboração legislativa. Um ajuste que possa responsabilizar as grandes plataformas de internet pelas redes de desinformação em massa, que atentam contra a democracia e, assim, garantir o pleno funcionamento democrático do país. E há várias formas de responsabilização e mitigação dos danos causados que não implicam tolher a liberdade de expressão.

O amplo processo participativo que originou o Marco Civil da Internet foi virtuoso. Demorou, porém, cinco anos. A defesa da democracia no Brasil de hoje não pode esperar tanto tempo. O desafio, portanto, é conciliar a necessidade do cuidado para que o processo possa ouvir os diversos argumentos sobre os riscos de uma nova regulação para as redes com a responsabilidade para que essa escuta não crie uma demora que permita o esfacelamento da democracia brasileira.

O Poder Executivo e o Congresso Nacional (que há três anos já discute o projeto de lei 2.630/20, a lei das fake news) devem chegar a um acordo sobre uma forma rápida de proteger a internet e a democracia dos ataques extremistas que nos ameaçam. A solução virá do contencioso político democrático que emergirá após as ameaças da hidra totalitária provisoriamente derrotada.

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