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Leandro Ferreira e Anderson Lopes Miranda

Pobres no Orçamento, parte 2

Ações associadas à transferência de renda devem se sobrepor ao punitivismo

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Leandro Ferreira

Presidente da Rede Brasileira da Renda Básica

Anderson Lopes Miranda

Coordenador do Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua

Em 10 de janeiro, a Folha publicou o editorial "Pobres no Orçamento", em que elogia a checagem de informações de beneficiários do Auxílio Brasil que foram contemplados com R$ 600 por erros de desenho da política pública causados pelo governo Bolsonaro. São os unipessoais, adultos que estão na base do Cadastro Único, sem familiares nem renda.

A suspeita é de fraude, uma vez que alguns teriam buscado cadastramento individualmente para maximizar os benefícios de R$ 600 que suas famílias, ao todo, podem receber. Sobre eles, iniciou-se uma averiguação de consistência de informações, popularmente referida como pente-fino, atualmente paralisada para que se reavalie o enfoque dado pelo governo anterior. Não é de hoje que pesa sobre beneficiários de programas sociais a desconfiança decorrente da "fraudofobia" —a imputação de conduta irregular sem analisar condições objetivas.

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Fila para pagamento do Auxílio Brasil, em São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress - Folhapress

Antes de escolher quais são os pobres que merecem e os que não merecem estar no Orçamento, a Folha poderia realizar uma investigação mais profunda sobre o fenômeno unipessoal. A 700 metros da Redação do jornal, na região central de São Paulo, fica o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), onde milhares de pessoas que vivem nas ruas paulistanas procuram pela assistência social do município todas as semanas. São cidadãos sozinhos, com vínculos efetivamente rompidos, ainda que tenham parentes diretos que também se encontrem nas bases administrativas do governo.

Os R$ 600 não são suficientes para que essas pessoas vivam às custas de benefícios. São uma segurança, entretanto, muito maior que os benefícios baixíssimos pagos anteriormente a indivíduos. Deixar de pagá-los não vai assegurar as condições fiscais almejadas por toda a sociedade e pode piorar a condição social de quem recebe, com impactos negativos sobre toda a sociedade.

A preocupação do governo federal deve ser a de corrigir problemas que o Bolsa Família tinha e que o Auxílio Brasil não resolveu. São questões identificadas há anos: desburocratizar o acesso, criar uma regra de atualização de benefícios e linha de elegibilidade, impedir a formação de filas de espera e aprimorar as formas de encontrar famílias em condições de vulnerabilidade, seja para cadastrá-las, seja para entregar benefícios de forma eficiente.

Também é importante oferecer serviços associados à transferência de renda que fortaleçam a cidadania em vez do punitivismo. Entre essas políticas estão, além da segurança de renda, acolhida digna e convívio social e comunitário. Os unipessoais de hoje podem ser acompanhados para que os benefícios potencializem sua progressão. Cortá-los, contudo, é abrir caminho para que essa rede fracasse.

É indispensável que a reforma se oriente pelos princípios de uma renda básica de cidadania, universal e incondicional, a ser atingida responsavelmente frente as condições fiscais. Não por acaso, é uma determinação do Supremo Tribunal Federal, julgando ação impetrada em nome de uma pessoa em situação de rua, que se regulamente a lei federal 10.835/2004, que prevê sua existência. Jair Bolsonaro não a cumpriu.

Esse caminho será fundamental para que os R$ 150 por criança prometidos na campanha de Lula se efetivem. Ninguém deseja que crianças sejam provedoras indiretas da renda da família, mas, sim, que sua condição de desenvolvimento seja assegurada.

Há distorções ainda maiores nesse sentido: os filhos dos mais ricos recebem através de deduções no Imposto de Renda por dependentes, com despesas de saúde e educação, valores maiores que os benefícios previstos para as crianças pobres. Esse valor varia conforme a renda e as despesas de cada um, mas é mais alto conforme a família tem padrões maiores de renda.

Um dos autores deste artigo recebe deduções mensais no Imposto de Renda superiores a R$ 150 por seu filho dependente. É uma transferência de renda paga pela União a quem pertence a estratos mais protegidos e altos da distribuição da riqueza no país. O outro autor, com duas filhas, também dependentes, é beneficiário do Auxílio Brasil, cadastrado como unipessoal com renda zero. Quem deve ficar e quem deve sair do Orçamento?

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