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Geraldo Vidigal

O acordo comercial com a UE e a sustentabilidade internacional

Renegociar o capítulo de compras governamentais exige contrapartida

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Geraldo Vidigal

Doutor em direito internacional (Universidade de Cambridge), é professor de direito do comércio internacional na Universidade de Amsterdã

Uma das grandes questões do governo Lula em política externa será o que fazer com o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, assinado "em princípio" em 2019. Completá-lo seria uma forma de marcar posição em política externa, agradaria a "frente ampla" que apoiou Lula e afastaria a visão de que se trata de um bloco protecionista. Por outro lado, o mesmo Lula já anunciou a intenção de renegociar o capítulo de compras governamentais, que é um dos grandes atrativos do acordo para a UE.

Acordos internacionais sempre podem ser revistos. Tanto o acordo entre UE e Canadá como o Tratado Transpacífico (TTP) foram revistos, depois da assinatura, para permitir implementação efetiva. A questão é o que o Mercosul pode oferecer que "valha" a perda de compras governamentais.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, no Palácio do Planalto - Gabriela Biló/Folhapress - Folhapress

É a oportunidade para uma discussão séria sobre o capítulo de sustentabilidade do acordo. É um tema que resistimos a incluir em acordos internacionais, condicionando concessões a contrapartidas dos outros. Há boas razões para reconsiderar essa posição.

Nos últimos meses, a UE adotou unilateralmente medidas de sustentabilidade em cadeias produtivas. O regulamento europeu sobre produtos livres de desmatamento obrigará todos os fornecedores de gado, soja, café, cacau, azeite de palma, borracha, madeira e seus produtos derivados a demonstrar que não foram produzidos em área de desmatamento recente. O "ajuste de carbono fronteiriço" vai impor a importadores de aço, ferro, alumínio, fertilizantes, cimento e hidrogênio, bem como a certos derivados, taxa equivalente à que um produtor europeu tem de pagar por "permissões de emissão". E há em tramitação o "dever de diligência de sustentabilidade" nas cadeia produtivas, afetando empresas que, como Petrobras, Braskem e Embraer, usam um entreposto europeu para operacionalizar seu comércio internacional.

Essas medidas serão questionadas na Organização Mundial do Comércio (OMC), mas é improvável que sejam derrotadas integralmente.

Os julgadores da OMC tenderão a dizer que objetivos legítimos permitem a adoção de medidas genuinamente capazes de atingi-los, ainda que impliquem redução do comércio. Se as medidas europeias não forem discriminatórias, possivelmente serão aprovadas. É melhor para o Brasil ter com a UE um acordo claro sobre que tipo de produção será permitida —e como provaremos o cumprimento dessas regras e como poderemos contestar sua aplicação excessiva— do que ter um caso de anos na OMC que possivelmente será perdido.

Além disso, um acordo internacional permitirá ancorar a pauta da sustentabilidade ambiental e social, amarrando-a às preferências comerciais do Brasil. O Acordo Mercosul-UE é uma oportunidade de fortalecer a voz dos setores que veem em nossa diversidade de biomas e culturas uma oportunidade de agregar e distribuir valor sobre a daqueles que ainda veem na sustentabilidade um obstáculo à extração predatória. Embora o meio ambiente, os direitos dos trabalhadores e os dos povos originários sejam objeto de acordos internacionais específicos, nada do que as instituições que administram esses acordos diga ou faça será tão eficaz quanto a perspectiva de uma retaliação comercial, afetando diretamente os interesses dos que se acreditam beneficiados pela exploração econômica desenfreada.

Na Europa, um capítulo sério de sustentabilidade, como o do novo acordo entre UE e Nova Zelândia, ajudará a apaziguar os resistentes à associação com o Mercosul. Permanecem no Brasil suspeitas sobre a agenda da sustentabilidade, vista como um véu para o protecionismo agrícola. Embora este se aproveite daquela, as preocupações são em sua esmagadora maioria genuínas, e seus promotores lutam ainda mais ferozmente no próprio país do que nas relações internacionais. Um acordo com regras e mecanismos recíprocos de proteção ao meio ambiente, às culturas tradicionais e aos direitos do trabalhadores não deveria interessar apenas à União Europeia, mas sim a todos aqueles que, no Mercosul, se preocupam com a possibilidade de retrocessos futuros nessas áreas.

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