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Otaviano Helene

Desigualdade e educação

Sistema escolar está excluindo do futuro enormes contingentes de jovens

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Otaviano Helene

Professor sênior do Instituto de Física da USP, ex-presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e autor, entre outros, de “Um Diagnóstico da Educação Brasileira e de seu Financiamento” (Autores Associados)

Por volta de 1990, o Brasil chegou a apresentar a maior concentração de renda do mundo; em nenhum outro país as diferenças entre ricos e pobres eram tão grandes quanto aqui. Essa situação só começou a melhorar de forma sistemática dez anos depois, mas, infelizmente, por apenas uma década e meia. Ainda somos um dos países mais desiguais do planeta.

Muitos fatores influenciam a desigualdade na distribuição de renda e por ela são influenciados. Entre eles está a educação escolar: quanto mais desigual a distribuição de renda, mais desigual a educação das crianças e jovens —em especial em um país como o Brasil, que tem uma das maiores taxas de privatização da educação. E, quanto mais desigual for a educação escolar nos dias de hoje, mais desigual será a distribuição de renda no futuro.

Sala de aula em escola particular com mensalidade de cerca de R$ 1.000; resultados do Ideb e do Saeb reforçam o cenário de acirramento das desigualdades educacionais no país - Adriano Vizoni - 12.ago.22/Folhapress

Vejamos quão desigual é nosso sistema educacional. Crianças provenientes do grupo dos 20% ou 30% mais pobres, que vivem em domicílios com renda per capita inferior a cerca de meio salário mínimo por mês, raramente concluem o ensino fundamental regular. Consequentemente, o rendimento futuro dessas crianças será muito baixo.

A construção da desigualdade continua ao longo do ensino médio, cuja conclusão é rara entre jovens da metade mais pobre da população —e os que o completam apresentam, como regra, enormes deficiências de aprendizado.

Parte das pessoas que concluem o ensino médio tem expectativa de continuar seus estudos e participa do Enem. Mas mesmo nesse grupo também há enormes diferenças. Estudantes de escolas cujos investimentos por aluno (as mensalidades, no caso das instituições privadas) excedem os R$ 3.000 ou R$ 4.000 por mês têm nota média no Enem próxima dos 700 pontos, cerca de 100 pontos acima da média obtida pelos estudantes que frequentam escolas cujas mensalidades ficam em torno dos R$ 2.000. E, estes últimos, outros 50 a 100 pontos acima daqueles que frequentam escolas com mensalidades próximas dos R$ 1.000. Uma diferença de desempenho correspondente a 100 pontos no Enem é muito significativa e tem enorme efeito quanto às possibilidades futuras de um estudante, fazendo com que as desigualdades acumuladas até o final do ensino médio se prolonguem no ensino superior.

A grande maioria dos estudantes brasileiros do ensino médio frequenta escolas estaduais comuns. O desempenho desses estudantes é, em média, bastante baixo, equivalente ao desempenho dos estudantes que frequentam escolas privadas com investimentos por aluno entre R$ 1.000 e R$ 1.500 mensais, valores estes que são cerca de duas vezes superiores àqueles das escolas públicas. Por um lado, esse fato mostra a maior eficiência do sistema público, mas, por outro lado, revela as deficiências de formação da grande maioria dos estudantes brasileiros.

Nosso sistema escolar está construindo um futuro de desigualdades e excluindo enormes contingentes de crianças e jovens que, se continuassem seus estudos de forma adequada, muito poderiam contribuir para o desenvolvimento social e cultural do país e para o crescimento econômico. Assim como a realidade atual é, em grande parte, fruto do sistema educacional do passado, nosso presente educacional, com tantas diferenças e exclusões, definirá o futuro do país. Para um futuro melhor, precisaríamos construir hoje um sistema escolar (bem) melhor.

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