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Lenio Streck

Jornalista a gente usa?

Professor Hübner ataca o sigilo da fonte, direito constitucional fundamental

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Lenio Streck

Advogado, jurista e professor, é doutor em direito e autor de “Jurisdição Constitucional” (ed. Forense), entre outros

Erich Fromm atribui a Espinosa a frase "Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo". Discursos sempre têm implicaturas. O dito e o não dito.

Lembrei da frase ao ler, nesta Folha, a coluna de Conrado Hübner Mendes ("Jornalista a gente usa e abusa, ‘dizem ministros’", 29/3). Nela, o colunista joga uma ácida crítica a jornalistas, advogados e ministros. O título já funciona como "enunciado performativo".

Hübner leciona direito. Na Folha, tem colegas jornalistas. Portanto, estou certo em presumir que conhece bem o direito constitucional e o jornalismo. Questiono, então, qual alvo ele tem em mente em mais uma de suas sempre tão ácidas críticas. Tão ácidas que, no entanto, lá atrás, pouparam o lavajatismo.

Sede do Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

Na coluna sob comento, diz que jornais, vejam só, incentivam magistrados (!) a "delinquir impunemente" quando noticiam algo que um jornalista ouviu de fonte sua. Qual é a delinquência incentivada e impune? Ministros do Supremo são delinquentes? Ora, é preciso ser claro. Um texto tão corajoso exige coragem até o final, porque coisas tão sérias não podem ficar no ar.

Porque há uma questão grave aqui: o professor Hübner sabe bem, então, a importância jurídica e moral do sigilo de uma fonte. Que é um direito constitucional fundamental. E é isso que ele ataca quando diz que jornais —jornalistas— incentivam delinquentes, no caso, ministros da Suprema Corte. Jornalismo "off the records" seria uma aberração, diz. Então a Constituição é uma aberração, professor? Pode até ser. Mas fundamente, por favor. Saquemos fora esse dispositivo?

O cronista poderia separar o off que já deu à humanidade alguns dos maiores furos da história (lembremos "Garganta Profunda", do Watergate) do off fraudulento —que conhecemos bem, como aquele que a Lava Jato usou para emparedar ministros e subordiná-los a Curitiba.

"Ninguém sai eticamente ileso", diz. Pois é. Nem Hübner. Suas ácidas críticas não poupam ninguém. Nem a ele mesmo, pelo visto. Porque também ele, quando não nomina os acusados, insinuando prática de crime ou desvios éticos, atua do mesmo modo, em off jurídico. Pronto. Descobrimos um novo método de acusação, exportável ao Ministério Público, mormente para a parcela que protagonizou o lavajatismo: o "jus off". Isso: "Dizem que..."!

Numa espécie de "Navalha de Hübner", lemos que o off dos jornalistas incrementa ilícitos e delinquência de ministros, que sinalizariam resultados (off) para aumentar o seu preço. Um certo Rubicão parece ter sido atravessado. Mesmo que diga que a expressão "preço" na frase é apenas "simbólico", há excesso de ambiguidades e duplo sentido. Digamos que exige demais do leitor. Ou de menos.

Deixando seu alvo oculto, Hübner mira nele mesmo e em seus colegas de jornal. Termina o texto ironizando seus alvos: antes era a Suprema Corte; agora também a imprensa. Na democracia, alvos fáceis.

No mais, a crítica de Hübner é semelhante a que ele ataca: "Dizem ministros". Só que ele mesmo diz pela metade. Seu alvo, de sempre, fica em off. O sujeito oculto, aqui, nunca é indeterminado. Mas, de novo, Spinoza tinha razão. Quando Pedro fala de Paulo...

"A Suprema Corte a gente usa e abusa", diz. Atacando a imprensa e o STF desse modo, parece até que a frase faz sentido. Filme velho.

Como um post scriptum, acrescento: observando alguns temas da República, percebemos que muitos deles são discutidos mais por offs e assessorias de imprensa do que pelos agentes encarregados, que acabam deixando a discussão ocorrer em terreno minado. Isso acontece toda vez que há vagas, principalmente, para os tribunais superiores. Há um certo patrimonialismo (no sentido científico) no ar, como se tudo dependesse de relações. Talvez isso tenha motivado o texto de Hübner. Bem, nessa parte até concordo: a se tratar dessas temáticas, há off demais. Pior: sem que se pergunte o que os listados para o cargo fizeram nos verões passados ou o que pretendem fazer nos próximos invernos. Que serão rigorosos.

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