Não é segredo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha obsessão narcísica com a construção de sua persona, em particular no cenário internacional.
Líder como poucos outros na história brasileira, ele viu seu prestígio interno, indicado por mais 80% de aprovação no fim de seu segundo mandato, enfraquecer-se.
Vieram a debacle econômica e o impedimento de sua sucessora, a associação quase imediata do petismo a atos de corrupção e, por fim, a prisão. Mesmo a volta por cima com vitórias judiciais, a saída da cadeia e a eleição em 2022 não devolveram a Lula todo o seu lustro.
O petista bateu Jair Bolsonaro (PL) por mero 1,8 ponto percentual, enfrenta rejeição similar a do antecessor e forte oposição potencial.
Para o público externo, contudo, Lula parecia manter-se mais ou menos intocado. Produto de uma história de vida única, ampliada por um marketing eficaz, sua figura seguia encantando plateias, em especial na Europa.
Isso até aqui. Noves fora a ausência de projeto estratégico do governo, atitudes do mandatário causaram estranhamento, inclusive porque ele dispunha de temas favoráveis para explorar, como o clima.
A aproximação com a China, algo explicável pelas expressivas relações comerciais, veio embalada por declarações antiamericanas típicas do esquerdismo regional.
Provocados, os EUA morderam, com críticas, e assopraram, com a promessa de decuplicar o dinheiro para o Fundo Amazônia. Mas o cerne da questão, o lado que Lula escolherá, segue incerto.
Idealmente, não deveria ser necessário optar. Entretanto essa é uma decisão difícil diante das pressões de um mundo no qual as disputas entre o Ocidente e seus oponentes embutem até um confronto real, na Ucrânia.
Exemplo claro disso é o recuo tático do presidente na questão ucraniana. Desde a campanha eleitoral, ele insiste na tese de que tanto os governos de Kiev quanto de Moscou são culpados. Diplomaticamente, a tese é inglória —foi Vladimir Putin quem puxou o gatilho.
Lula também sugeriu que a Ucrânia deveria ceder território, enviou seu mentor internacional Celso Amorim a Moscou e recebeu o chanceler russo, Serguei Lavrov.
Foi criticado de Washington a Kiev. Agora, iniciando em Portugal um giro entre os países ricos, nega ter defendido o que defendeu, buscando voltar ao ponto em que apenas sugeria a criação de um "clube da paz" de países neutros.
Como em 2010, quando tentou mediar um acordo nuclear no Irã, Lula meteu os pés entre a mãos. Tem a oportunidade de se corrigir e até de ganhar um lugar na fotografia em 2023, mas precisa saber que não será o mais destacado.
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