Em março deste ano, a circulação de um vídeo nas redes sociais mostrou uma prática etarista e gerou muitos comentários condenando o comportamento de estudantes de uma universidade do interior paulista. Um "susto" com o etarismo desse caso revelou articulações e diálogos acerca de gênero, raça, educação e, entre outros, significações de juventudes e de velhices.
No vídeo e nos comentários, etarismos ficaram evidentes. O tema tem um assoalho de disputa entre memória e esquecimento nas articulações de combate a violências de gênero e contra a pessoa idosa.
Etarismo é um termo variante do termo em inglês "ageism", referenciado pelo médico estadunidense Robert Neil Butler em 1969. O contexto que antecedeu o artigo científico de Butler foi um conflituoso processo em torno de moradia pública para, como destacou Andrew Achenbaum, pessoas idosas pobres, incluindo afro-americanas. Desse modo, em "Age-Ism: Another Form of Bigotry", Butler atentou quanto a classe, cor e idade como parte da estrutura das comunidades americanas.
Contemporaneamente, o termo etarismo, bem como sua difusão, busca abarcar, em âmbitos individuais e coletivos, ideias, atitudes e emoções dirigidas a si e ao outro com base na idade.
Ao se articular com outros marcadores além de idade, como geração, gênero, raça e classe, o fenômeno tem muitas camadas. Embora as fronteiras do etarismo sejam delineadas por juventude e velhice, transitam entre essas e outras categorias de idade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza o conceito como estereótipos, preconceitos e discriminações com base na idade. É composto por aspectos inter-relacionados e foi delineado em três dimensões: estereótipos (pensamentos), preconceito (sentimentos) e discriminação (ações ou comportamento). Além disso, se manifesta de forma institucional, interpessoal e autodirigida, de maneira explícita e implícita.
É possível verificar a coexistência e simultaneidade de etarismos nas críticas e defesas das quatro universitárias de Bauru (SP) e como esse evento estendeu a forte relação entre direitos, idades e emoções, assim como ambivalências em torno de acusação e compaixão.
A gerontofobia, atentada em diversos estudos, pode ser caracterizada como aversão a pessoas mais velhas e como um processo cultural aliado à sobrevalorização da juventude, como ideário múltiplo, e à depreciação de atributos associados a velhices e envelhecimento.
Já a velhofobia pode estar vinculada ao pânico de envelhecer, à alteridade e à identidade —é relacionada a "consigo" e ao "outro".
Inúmeros conteúdos em redes sociais podem ser revistos a contar dessa atenção aberta em um tenso acontecimento num ambiente universitário, um espaço enfaticamente aliado à mobilidade social, em variadas formas.
O vídeo trouxe consequências diretas a quatro mulheres em termos individuais cuja coletividade não tem como colaborar a não ser pensar sobre, reparar em si e em outrem, sobre si e sobre os variados outros. Esse exercício de memória individual e coletiva é construtivo.
A conhecida noção sobre "velho ser o outro", atentada por Guita Grin Debert e que inspirou pesquisadores, tem eco nesses debates. Nesse sentido, o vídeo envolvendo estudantes de diferentes idades nos mostrou que etarismos são muito mais difusos e cotidianos nas marchas sociais e afetivas em termos individuais e coletivos. Trazem variadas ambivalências e complexidades, além de colocarem em suspeição a ideia de bem versus mal. Podemos começar a nos perguntar quais etarismos vimos, ouvimos, lembramos, sentimos, reproduzimos, inspiramos e causamos. É extremamente difícil ser etarista só consigo ou só com outros.
O que vimos nas redes sociais pode significar uma direção a ser seguida. Podemos, em marcha numa estrada, nos banhar de reflexões antietaristas —em vez de tomar banho de etarismos todos os dias.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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