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Natalia Negretti

Antietarismo é questão para todas as gerações

Há de se observar ambivalências e complexidades

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Natalia Negretti

Antropóloga, é mestra em ciências sociais, especialista em gerontologia e doutoranda em ciências sociais pela área de estudos de gênero na Unicamp

Em março deste ano, a circulação de um vídeo nas redes sociais mostrou uma prática etarista e gerou muitos comentários condenando o comportamento de estudantes de uma universidade do interior paulista. Um "susto" com o etarismo desse caso revelou articulações e diálogos acerca de gênero, raça, educação e, entre outros, significações de juventudes e de velhices.

No vídeo e nos comentários, etarismos ficaram evidentes. O tema tem um assoalho de disputa entre memória e esquecimento nas articulações de combate a violências de gênero e contra a pessoa idosa.

Etarismo é um termo variante do termo em inglês "ageism", referenciado pelo médico estadunidense Robert Neil Butler em 1969. O contexto que antecedeu o artigo científico de Butler foi um conflituoso processo em torno de moradia pública para, como destacou Andrew Achenbaum, pessoas idosas pobres, incluindo afro-americanas. Desse modo, em "Age-Ism: Another Form of Bigotry", Butler atentou quanto a classe, cor e idade como parte da estrutura das comunidades americanas.

Alunas de uma universidade de Bauru debocham de colega de classe por ela ter 40 anos de idade
Alunas de uma universidade de Bauru debocham de colega de classe por ela ter 40 anos de idade - Reprodução Twitter - Reprodução Twitter

Contemporaneamente, o termo etarismo, bem como sua difusão, busca abarcar, em âmbitos individuais e coletivos, ideias, atitudes e emoções dirigidas a si e ao outro com base na idade.

Ao se articular com outros marcadores além de idade, como geração, gênero, raça e classe, o fenômeno tem muitas camadas. Embora as fronteiras do etarismo sejam delineadas por juventude e velhice, transitam entre essas e outras categorias de idade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza o conceito como estereótipos, preconceitos e discriminações com base na idade. É composto por aspectos inter-relacionados e foi delineado em três dimensões: estereótipos (pensamentos), preconceito (sentimentos) e discriminação (ações ou comportamento). Além disso, se manifesta de forma institucional, interpessoal e autodirigida, de maneira explícita e implícita.

É possível verificar a coexistência e simultaneidade de etarismos nas críticas e defesas das quatro universitárias de Bauru (SP) e como esse evento estendeu a forte relação entre direitos, idades e emoções, assim como ambivalências em torno de acusação e compaixão.

A gerontofobia, atentada em diversos estudos, pode ser caracterizada como aversão a pessoas mais velhas e como um processo cultural aliado à sobrevalorização da juventude, como ideário múltiplo, e à depreciação de atributos associados a velhices e envelhecimento.

Já a velhofobia pode estar vinculada ao pânico de envelhecer, à alteridade e à identidade —é relacionada a "consigo" e ao "outro".
Inúmeros conteúdos em redes sociais podem ser revistos a contar dessa atenção aberta em um tenso acontecimento num ambiente universitário, um espaço enfaticamente aliado à mobilidade social, em variadas formas.

O vídeo trouxe consequências diretas a quatro mulheres em termos individuais cuja coletividade não tem como colaborar a não ser pensar sobre, reparar em si e em outrem, sobre si e sobre os variados outros. Esse exercício de memória individual e coletiva é construtivo.

A conhecida noção sobre "velho ser o outro", atentada por Guita Grin Debert e que inspirou pesquisadores, tem eco nesses debates. Nesse sentido, o vídeo envolvendo estudantes de diferentes idades nos mostrou que etarismos são muito mais difusos e cotidianos nas marchas sociais e afetivas em termos individuais e coletivos. Trazem variadas ambivalências e complexidades, além de colocarem em suspeição a ideia de bem versus mal. Podemos começar a nos perguntar quais etarismos vimos, ouvimos, lembramos, sentimos, reproduzimos, inspiramos e causamos. É extremamente difícil ser etarista só consigo ou só com outros.

O que vimos nas redes sociais pode significar uma direção a ser seguida. Podemos, em marcha numa estrada, nos banhar de reflexões antietaristas —em vez de tomar banho de etarismos todos os dias.

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Patricia Linares (a terceira em pé da esq. à dir., de camisa branca e cabelo preto), 40, recebe homenagem de colegas após ser alvo de etarismo - Patrícia Linhares no Instagram

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