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Alessandra Gotti

Como concretizar o direito à creche no Brasil?

Esforços conjuntos entre esferas de poder ampliam capacidade de gerar vagas

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Alessandra Gotti

Advogada, mestre e doutora em direito constitucional (PUC-SP), é presidente-executiva do Instituto Articule

Em meio à disputa política que precedia as eleições do ano passado, um tema de suma importância para o Brasil teve pouco espaço na mídia. O Supremo Tribunal Federal decidiu que a educação infantil é direito de todas as crianças. Mas isso já não era óbvio?

O assunto estava há anos na corte e não era unanimidade, apesar das evidências científicas —a mais famosa, do Nobel de Economia James Heckman, aponta que o investimento na primeira infância é uma estratégia potente de combate estrutural à pobreza e à desigualdade social. Segundo o economista, isso gera um retorno para a sociedade de 7% a 10% ao ano, como, por exemplo, maior empregabilidade e menor criminalidade. E os benefícios se estendem por gerações.

Bebês brincam em creche municipal no bairro Bela Vista, em São Paulo (SP) - Rubens Cavallari/Folhapress - Folhapress

Expandir o atendimento, priorizar quem mais precisa e melhorar a qualidade das creches não é algo trivial. Requer recursos financeiros, técnicos, planejamento e gestão.

Cerca de 5 milhões de crianças de até três anos precisam de creche no Brasil, mas apenas 24,4% têm acesso, segundo o Índice de Necessidade de Creche, da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Essa ferramenta auxilia na estimativa das vagas tendo em vista a priorização de grupos que mais precisam de atendimento em cada região: famílias em situação de pobreza, monoparentais e aquelas em que o cuidador principal é economicamente ativo —ou poderia ser, caso existisse a vaga.

O desafio é imenso, dada a necessidade de expansão progressiva do atendimento, o contexto fiscal dos municípios e o alto número de ações judiciais —que, na prática, apenas passa uma criança na frente da outra na fila da creche, ampliando a desigualdade entre quem acessa a Justiça e quem não tem meios de fazê-lo.

A boa notícia é que algumas iniciativas dão pistas de caminhos possíveis. A primeira é a adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) há dez anos, em que as inúmeras ações judiciais que obrigavam a prefeitura paulistana a prover vagas individualmente deram lugar à exigência de um plano de expansão, cujo monitoramento é feito por um comitê interinstitucional em diálogo com o Executivo. Fazem parte dele membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Tribunal de Contas e da sociedade civil. A fila da creche, que era de 150 mil crianças em 2013, foi zerada desde 2020, segundo a gestão municipal.

A segunda é a criação dos Gabinetes de Articulação para a Efetividade da Política da Educação (Gaepe), uma governança inovadora que reúne, sem hierarquia e com foco em resolutividade, gestores e conselhos de educação, órgãos do sistema de Justiça, Tribunal de Contas, Legislativo e sociedade civil para trabalhar de forma conjunta e preventiva. A iniciativa é idealizada e coordenada pelo Instituto Articule e conta com a parceria da Associação dos Tribunais de Contas do Brasil e o Instituto Rui Barbosa.

Em Rondônia, essa união de esforços resultou na criação de mais de 5.000 vagas desde 2021, segundo a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação de Rondônia (Undime-RO), representante dos gestores municipais. Além disso, houve avanços concretos na organização e transparência da fila de espera e na definição de critérios de priorização de vagas para as crianças que mais precisam na maioria dos 52 municípios. Já em Mato Grosso, foi lançado nesta quarta-feira (17) o Pacto Interinstitucional pela Educação na Primeira Infância, compromisso que será assumido por Assembleia Legislativa, Associação Mato-Grossense dos Municípios, Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública, além de gestores estaduais e municipais em torno dessa agenda.

Qual o ponto comum dessas iniciativas? A cooperação entre poderes, órgãos do setor público e sociedade civil para a superação dos desafios da educação.

As iniquidades brasileiras não se dissiparam no curso da história. Temos 200 anos de Independência e ainda lidamos com problemas sociais de um Brasil imperial. É necessário agir diferente, é urgente uma atuação sincronizada do poder público, de forma articulada, para colocar a desigualdade no caminho do fim.

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