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Érico Andrade Marques de Oliveira

Excelência ou qualidade?

Usar o espaço público para trazer essas questões é dar voz a quem sofre

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Érico Andrade Marques de Oliveira

Filósofo, psicanalista e pesquisador do CNPq, é professor da Universidade Federal de Pernambuco e presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia

Iniciei aqui nesta Folha ("O Estado deve premiar a excelência?", 16/4) uma provocação a respeito dos limites de se tomar a excelência como "vetor principal para a distribuição de verba pública na pós-graduação".

Falar que a excelência não deve ser o principal vetor para a distribuição de recursos está muito longe da afirmação, escrita em um texto de resposta ("Excelência e inclusão social andam juntas", 20/4), de que devemos promover "uma renúncia da excelência". Se oito professores se mobilizaram para criticar um questionamento sobre a centralidade da excelência na distribuição de recursos da pós-graduação, é porque debates sobre a excelência são importantes. Nada mais republicano que, como professor, questionar a excelência para ampliar o seu escopo e discutir a sua natureza.

Notadamente, no meu artigo, em nenhum momento usei a expressão neurodivergência. Algumas pessoas neurodivergentes se identificam como tais justamente na reivindicação de que não devemos pensá-las em termos de pessoas com deficiência. Contudo, quando no texto coloquei no mesmo patamar pessoas com problemas psíquicos e com deficiência cognitiva, não fui totalmente claro na minha crítica à centralidade da excelência na distribuição de recursos públicos.

Reconheço que critérios sociais fundamentais foram adotados em várias áreas e que a qualidade de nossas produções deve balizar a política pública. Isso é inegociável.

Por exemplo, a política de cotas foi tomada como um sucesso porque as pessoas cotistas se mostraram excelentes e demonstraram que a universidade, longe de perder a sua qualidade, ganhou com a presença de novos corpos.

Entretanto, meu artigo, quando coloca em tela a importância de discutir os limites da excelência ao ser tomada como o principal critério na distribuição de recursos públicos, aponta para o fato de que a busca por esse conceito de excelência pode ser adoecedora e excluir pessoas, especialmente aquelas com problemas materiais ou de ordem psicológica. Quem vive nessas situações, provocadas muitas vezes pelas mais diversas violências sociais estruturais, pode ter mais dificuldade de alcançar essa excelência —se não pensarmos outras formas de avaliação e produção acadêmica.

Protesto de alunos, professores e servidores da Educação contra corte de bolsas de mestrado e doutorado da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) - Roque de Sá - 15.mai.19/Agência Senado - Roque de Sá/Agência Senado

Assim, toda vez que usamos a palavra excelência, esquecendo do montante suplementar de esforço que um estudante com limitações ou dificuldades específicas enfrenta para alcançar algo que outro trouxe do berço, podemos estar usando as instituições públicas de educação como reprodutoras das desigualdades. Por essa razão, acho que deveríamos desnaturalizar a noção de excelência para assumir a noção de qualidade. A qualidade emerge de muitas formas e desde muitos lugares, já a excelência pode ser interpretada como uma construção erguida sobre os privilégios.

A busca pela excelência força todas as pessoas a atingir um padrão que muitas vezes só pode ser alcançado com um adoecimento, como tenho escutado na minha clínica psicanalítica social. Vários estudantes de baixa renda e com dificuldades psicossociais relatam a exaustão a que chegam para dar conta da expectativa da excelência dos seus textos.

Usar o espaço público para trazer essas questões é dar voz a quem sofre. Isso ajuda a ampliar e qualificar a noção de excelência para que ela contemple outras qualidades e necessidades humanas.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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