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Raquel Rolnik, Aluízio Marino e Pedro Lima

O projeto urbanístico do governo Tarcísio para a região central de São Paulo é adequado? NÃO

Novo capítulo de guerra ao centro evidencia pressão por expansão imobiliária

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Raquel Rolnik

Professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e coordenadora do LabCidade

Aluizio Marino

Pós-doutorando na FAU-USP e coordenador do LabCidade

Pedro Lima

Arquiteto urbanista, é doutorando na FAU-USP e pesquisador do LabCidade

A transferência da administração estadual para o centro de São Paulo, bem-vinda, não precisaria promover mais terra arrasada. A insistência na destruição não é um acaso, mas parte de um projeto que aposta no conflito e na sensação de medo e insegurança como estratégias para legitimar políticas violentas contra este território e as pessoas que há anos o habitam.

Não é de hoje que a região central sofre pressões —infrutíferas— para se transformar em mais uma frente de expansão imobiliária, oferecendo seu território para os produtos contemporâneos deste mercado. Mas, há décadas, esse território popular resiste, apesar das remoções, demolições e violências.

Parque Princesa Isabel (à dir.), terminal de ônibus (ao centro) e palácio Campos Elíseos, que, nos planos do governo paulista, ficarão no centro do novo conjunto de prédios do poder estadual - Rubens Cavallari/Folhapress - Folhapress

Quatro fatores contribuíram para inviabilizar o projeto: 1 - a existência de patrimônio histórico tombado, que impunha limites a transformações drásticas; 2 - a propriedade fundiária fragmentada, decorrente de heranças mal concluídas; 3 - a presença de população de baixa renda vivendo em cortiços, pensões e ocupações; e 4 - a concentração, desde os anos 1990, de usuários de crack, que mudam de lugar, mas sem sair da região.

A "cracolândia" e sua eliminação se converteram na principal justificativa para as ações do Estado desde então, através do fechamento e demolição de hotéis e pensões, espaços de consumo e refúgio para os usuários, que começaram, portanto, a ocupar as ruas.

Concomitantemente, o governo estadual impulsionou na região a política de âncoras culturais, com espaços como a Sala São Paulo. O discurso era que esses equipamentos iriam atrair moradores e atividades de maior renda, o que não ocorreu.

Em 2005, a prefeitura propôs um novo instrumento: a concessão urbanística Nova Luz, na qual uma empresa, vencedora de uma licitação, teria o direito de desapropriar e demolir 30% de um perímetro que incluía trechos dos bairros Luz e Santa Ifigênia. Graças à mobilização de comerciantes e moradores, o projeto foi interrompido na Justiça.

A partir daí, a estratégia passou a incorporar uma das grandes bandeiras de resistência a esses projetos: a moradia popular. Foi lançada a Parceria Público-Privada (PPP) Habitacional, destinada a moradores da periferia que trabalham no centro. Para construir suas torres, a PPP demoliu e removeu centenas de pessoas que ali residiam, em pensões e ocupações, mas não as atendeu.

A maioria desses projetos parte de uma visão questionável de que se trata de um território vazio, sem vida e, assim, passível de destruição em nome da "revitalização". Esse conjunto de intervenções urbanísticas nunca escondeu seu objetivo de desmontar o território popular do centro —em vez de dar a ele condições dignas— e eliminar a "cracolândia".

Entretanto essa política de destruição do território, associada a operações policiais violentas, apenas espalhou as cenas de uso, que persistem há três décadas na região.

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Palácio Campos Elíseos, que, pelos planos da gestão Tarcísio de Freitas, se tornará a sede do governo paulista - Rubens Cavallari/Folhapress - Rubens Cavallari

A proposta da esplanada do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) faz parte da política em curso, de operações policiais e cercamentos de áreas públicas, que têm dispersado as cenas de uso de drogas —gerando uma sensação de medo e insegurança no centro, fechando comércios e tirando o sossego dos moradores.

Ao mesmo tempo, vulnerabiliza ainda mais as pessoas em situação de rua, sejam elas usuárias ou não, e dificulta seu atendimento pelos serviços de assistência. Somadas, essas intervenções têm transformado o território em um barril de pólvora, o que acaba justificando essa espécie de "solução final": a eliminação do que resta para a construção de um novo centro administrativo.

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