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Alessandro Vieira, Luciano Benetti Timm e Caio Morau

Quem porá fim aos decretos do saneamento básico?

Urge impedir o grave retrocesso que esses atos representam à política social

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Alessandro Vieira

Senador da República (PSDB-SE)

Luciano Benetti Timm

Advogado, é mestre e doutor em direito (UFRGS) e professor da FGV Direito SP

Caio Morau

Advogado, é mestre e doutor em direito (USP) e professor da Universidade Católica de Brasília

Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal, na ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) 1.055, o futuro dos decretos editados pelo presidente da República que alteraram pontos fulcrais do Marco Legal do Saneamento Básico. Melhor seria dizer: é o futuro de 100 milhões de brasileiros sem coleta de esgoto e de 35 milhões sem acesso à distribuição de água que está nas mãos do STF. Mas não somente nas suas.

É possível que o próprio Parlamento venha a se pronunciar antes do Supremo caso o PDL (projeto de decreto legislativo) 98/23, já aprovado na Câmara, seja pautado pelo Senado. O objetivo é o mesmo: na esteira do editorial desta Folha ("Contra o saneamento", 7/4) publicado à época da edição dos decretos, é preciso impedir o grave retrocesso que essas normas representam para a política social.

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Esgoto a céu aberto na Favela da 10, em São Paulo (SP) - Marlene Bergamo/Folhapress - Folhapress

O ponto mais crítico diz respeito à injustificada transigência com as empresas estatais que atuam no setor, justamente aquelas que não conseguiram universalizar o saneamento básico no Brasil e cuja capacidade de investimento é incompatível com essa mesma necessidade de universalização.

O ministro do STF Luís Roberto Barroso Barroso, quando das discussões sobre a constitucionalidade do marco legal do saneamento, acertadamente afirmou que seu objetivo era o de aumentar a eficiência dos serviços de saneamento, razão pela qual permitiu uma maior participação da iniciativa privada na execução da política pública.

Trata-se de seguir o exemplo bem-sucedido de países como Chile, Alemanha e Inglaterra, cujos altos índices de saneamento são indissociáveis da grande participação de concessionárias do setor privado.

Além disso, os decretos contribuem para perpetuar as graves desigualdades regionais sanitárias no Brasil. Entre as 20 melhores cidades do país em termos de saneamento, apenas 10% pertencem ao Nordeste, região que perde apenas para o Norte quando se comparam os índices de atendimento de água.

Para que 99% dos brasileiros possam ter acesso à água potável e 90% sejam beneficiados por serviço de tratamento de esgoto, o extinto Ministério da Economia havia previsto a necessidade de R$ 700 bilhões de investimento até 2033, o que representa uma média de R$ 63 bilhões por ano. Esse montante, sabidamente, não está ao alcance das estatais.

Do ponto de vista jurídico, o contexto é de um estado de coisas inconstitucional diante da inequívoca e massiva ofensa a direitos fundamentais dos brasileiros, especialmente aos direitos à saúde e à própria vida. Igualmente clara é a violação à ordem econômica, que não se antagoniza com a ordem social.

Não se pode ainda menosprezar as consequências de decisões administrativas, como a edição de decretos pelo chefe do Executivo. Nesse particular, não há qualquer fundamento razoável para que não se tenha realizado a Análise de Impacto Regulatório, de modo a evitar a produção de efeitos tão nocivos ao mercado regulado.

Para vencer o abismo que segrega os milhões de brasileiros aos quais são negadas condições mínimas de saneamento, é preciso superar um modelo ineficiente, estimulando a cooperação de agentes privados, tal como acontece nos países mais desenvolvidos do mundo.

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