Descrição de chapéu
Ligia Bahia e Mário Scheffer

A chantagem sazonal dos planos de saúde

A ameaça é invariável há décadas; já as desculpas vêm sendo renovadas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ligia Bahia

Doutora em saúde pública, é professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Iesc) da UFRJ

Mário Scheffer

Professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

Às vésperas do reajuste de 9,63% dos planos de saúde individuais, anunciado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) na segunda-feira (12), a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) soou o velho toque da corneta em artigo publicado nesta Folha ("A quem interessa a morte da saúde privada?", 6/6).

A ameaça das operadoras é invariável há décadas, mas as desculpas para escapar da regulamentação vêm sendo renovadas. Antes culpa dos idosos, a elevação de custos e preços é agora atribuída a novas tecnologias e procedimentos caros.

A insistência em mudar o Estatuto do Idoso para permitir reajustes depois dos 60 anos deu lugar a tratativas para restringir coberturas, tanto de pacientes crônicos quanto de crianças com deficiências.

O lobby da saúde suplementar com setores do Superior Tribunal de Justiça tornou taxativo o rol de procedimentos da ANS, o que foi imediatamente desfeito pelo Legislativo.

Representantes de planos, que costumam levar projetos de lei prontos e acabados para parlamentares, podem se dar mal mais uma vez.

O deputado federal Duarte Jr (PSB-MA), atual relator da Comissão de Planos de Saúde, mostrou-se sensível a quem tem dificuldade de pagar boletos após aumentos exorbitantes e perde seus locais costumeiros de atendimento em função do enxugamento das redes credenciadas.

Seu relatório visa aprimorar a legislação no interior das relações entre vendedores, prestadores de serviços e compradores com a equiparação dos chamados contratos "falsos coletivos" aos individuais e maior estabilidade de acesso a hospitais, laboratórios e médicos previsto no momento da aquisição do plano.

Os melhores sistemas de saúde do mundo são os que incluem e têm capacidade para discernir necessidades. Na contramão de experiências históricas e evidências científicas, o mutualismo torto defendido pela FenaSaúde significa racionar cuidados eficazes e efetivos.

O mencionado prejuízo das empresas não é o único indicador de desempenho. Informações sobre transações bem-sucedidas, inclusive perspectivas de expansão da saúde suplementar, são também constantemente divulgadas por outra banda do setor.

A FenaSaúde grita "lobo" ao afirmar que o SUS ficará sobrecarregado e ao pregar a liberação do comércio de produtos de meia resolução.

É fake news correlacionar mais planos de saúde com o "desafogamento" do SUS. O crescimento do número de clientes nos últimos 30 anos não reduziu filas, tempos de espera nem muito menos reverteu o subfinanciamento crônico da saúde pública.

Sobreviventes de uma pandemia cuja letalidade foi dramática e vergonhosa ao país, não temos desculpas para cometer mais erros evitáveis.

A sentinela que exagera uma catástrofe que está por vir tende a provocar reação insuficiente ou contrária. Se existe mesmo a crise alegada, a chantagem explícita dos planos de saúde impede a reunião de esforços para resolvê-la.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.