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André Luis Alves De Lemos

Paternalismo na esfera da saúde é retrocesso ético

Usar ou não cigarro eletrônico cabe ao indivíduo; ao governo, regulamentar

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André Luis Alves De Lemos

Especialista em clínica médica, é mestre em medicina baseada em evidências, escritor e professor de bioética e ética médica

O artigo "Fumar pode provocar alterações clínicas em menos de uma hora" (31/5), de autoria do professor Roberto Kalil Filho e publicado nesta Folha, foi assertivo. Fumar faz mal à saúde, não importa o quê: cigarro, cigarro eletrônico, narguilé etc. Há evidências definitivas dos seus malefícios, e medidas que desestimulem seu uso são necessárias.

Todavia, o fato é que ainda existe um grande número de tabagistas, e as necessárias mudanças, frente aos novos paradigmas científicos, precisam de tempo e vontade individual.

Fumante de cigarro eletrônico - Eduardo Knapp/Folhapress - Folhapress

Quanto ao cigarro eletrônico, basta uma breve pesquisa para saber que é regulamentado em vários países, e alguns desenvolveram programas para controle de danos, como a Inglaterra. No Brasil, até hoje não é regulamentado. E ninguém se responsabiliza pelo que é ilegal, deixando-nos na incerteza sobre a qualidade do produto.

Isso posto, precisaríamos nos perguntar: os cigarros eletrônicos fazem mais mal do que os convencionais? Seguindo as melhores práticas científicas, devemos buscar fontes fidedignas e hierarquizar o grau de confiança das informações. Um dos mais baixos é a "opinião de especialista", pois sempre enviesada. O mais alto nível é a revisão sistemática Cochrane, devido à metodologia rigorosa —e existe uma que nos mostra que até o momento não há evidências de que os cigarros eletrônicos sejam piores que os convencionais. E mais: mostra que poderiam causar menos danos e contribuir para a cessação do vício em convencionais —embora os autores deixem claro que ainda são necessários mais estudos, o que demonstra transparência.

Precisamos também entender que o ser humano é detentor de dignidade pelo simples fato de ser humano. E ela se baseia, em grande parte, no direito ao autogoverno das próprias ações. A medicina obteve avanços, reconhecendo o princípio da autonomia individual, respeitando-a mesmo em situações limites, como no fim de vida. O paternalismo na esfera da saúde é um retrocesso ético imperdoável.

A decisão de fazer uso ou não de cigarros eletrônicos cabe ao indivíduo. Na mesma medida, ele tem direito a um produto confiável, sendo dever moral inalienável do governo regulamentá-lo. Que mais campanhas e mais ações tornem o ato de fumar cada vez mais restritivo, mais caro, menos disponível —e que eduquemos melhor os jovens para que não busquem o tabaco e possamos viver em uma sociedade sem ele no futuro. Mas, até lá, devemos respeitar a dignidade do indivíduo expressa na sua autonomia, no seu direito ao autogoverno. Como o uso de cigarros eletrônicos já é um fato na sociedade brasileira, que o tornemos menos nocivo ao regulamentá-lo, disponibilizando produtos de procedência conhecida de empresas que poderão ser responsabilizadas por eventuais danos.

Afinal, a quem interessa a clandestinidade senão ao clandestino?

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