Segundo o artigo 25 do Código Penal, a alegação de legítima defesa pode ser usada quando alguém "usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem". Qualquer bem jurídico é passível de proteção por esse recurso, como a vida, a liberdade, a propriedade e a honra.
Mas desde a instituição do código, em 1940, a legítima defesa da honra tem sido usada de modo execrável para justificar crimes passionais, ao atribuir a motivação do delito ao comportamento da vítima.
Devido ao machismo prevalente na sociedade, maridos e namorados que agrediram ou até mataram suas companheiras já foram absolvidos mediante tal recurso. A infidelidade da mulher mancharia a honra do esposo que, por isso, estaria liberado para atacá-la.
Com as mudanças culturais iniciadas nos anos 1960, pouco a pouco a mulher deixou de ser vista como propriedade do seu parceiro, e a defesa da honra foi caindo em desuso, apesar de nunca desaparecer.
Uma lei aprovada pelo Congresso em 2008 deu margem para o seu retorno, ao admitir a possibilidade de absolvição baseada em "quesito genérico" —um pedido de clemência devido a motivações como a defesa da honra, por exemplo. Na prática, o júri tem o poder de absolver o réu mesmo que isso vá contra as provas dos autos.
Nesta sexta (30), finalmente o Supremo Tribunal Federal formou maioria para derrubar esse mecanismo anacrônico a serviço da impunidade. A defesa da honra é "inconstitucional por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero", disse o ministro Dias Toffoli, relator do caso, durante seu voto.
A promotoria, a autoridade policial e os juízes ficam impedidos de se valer da tese da honra nas fases pré-processual ou processual penais. Ademais, se essa ferramenta de defesa for utilizada perante o tribunal do júri, o julgamento pode vir a ser anulado.
É espantoso que, no século 21, a mais alta corte do país ainda precise decidir sobre a validade de um recurso jurídico que desumaniza mulheres e inocenta assassinos.
Que bom que o fez, de todo modo. Desde 2021, parlamentares analisam um projeto que proíbe o uso da defesa da honra como argumento para atenuar pena ou absolver réu acusado de violência doméstica ou feminicídio. Espera-se que o Congresso siga o exemplo do STF.
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