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Encontros entre ministros do STF e autoridades minam prestígio das instituições

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Gilmar Mendes, ministro do Superior Tribunal Federal (STF) - Nelson Jr./SCO/STF

É conhecida a frase de Potter Stewart sobre os limites da obscenidade na arte. Numa decisão de 1964, o juiz da Suprema Corte dos EUA avisou que não se arriscaria a dizer quais conteúdos cabem na definição de pornografia. "Mas eu sei o que é quando a vejo", concluiu.

Repetida amiúde, a formulação de Stewart tem a vantagem de se adaptar às mais variadas situações, inclusive àquelas sem nenhum elemento explícito —sexual ou não.

Tomem-se os encontros não oficiais entre ministros do Supremo Tribunal Federal com variadas autoridades da República, empresários e advogados. Talvez não seja fácil listar todas as situações revestidas de potencial conflito de interesses, mas não é difícil reconhecê-lo diante de casos concretos.

No episódio mais recente, o ministro Gilmar Mendes de novo levou uma comitiva para evento acadêmico em Lisboa, realizado pelo seu IDP. Entre os convidados estavam Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara; Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente da República; e Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo.

Meses antes, na mesma capital portuguesa, João Doria organizou, com tudo pago e não pela primeira vez, um convescote empresarial com a participação de Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, todos do STF.

Questões incômodas se acumulam quando estão presentes julgadores e potenciais réus. Para ficar em apenas duas, será que Gilmar atrairia trupe de tamanho prestígio se não fosse o poder de sua toga? Os ministros julgarão com equidistância pessoas de quem tanto se aproximam nessas ocasiões?

Embora as respostas importem, a mera formulação das perguntas já indica um problema. Não por acaso, o Código de Ética da Magistratura define o juiz imparcial como aquele que, entre outras coisas, evita comportamentos que possam refletir favoritismo ou predisposição.

O objetivo é assegurar que nem mesmo as aparências, ainda que fora do âmbito estrito de atividade jurisdicional, possam insuflar nos cidadãos alguma desconfiança sobre o sistema de Justiça.

E não há como aplacar um olhar desconfiado em eventos como os de Gilmar e Doria. Ou mesmo quando ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral se encontram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em uma festa ou um churrasco. Como o petista reagiria se, após um jogo do Corinthians, descobrisse que o árbitro confraternizou com o time adversário?

Atitudes que conotem parcialidade só contribuem para reforçar o ímpeto antidemocrático de uma parcela da população. Por ironia, o principal tema do fórum do IDP em Lisboa é "Estado democrático de Direito e defesa das instituições".

editoriais@grupofolha.com.br

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