No Brasil, 57 mil pessoas entre 30 e 60 anos morrem por ano em consequência do consumo de ultraprocessados —alimentos ricos em açúcar, sódio e gordura e pobres em nutrientes, como refrigerante, biscoito recheado e macarrão instantâneo. O cenário piora quando lembramos que, em 2022, os ultraprocessados tornaram-se pela primeira vez mais baratos, em média, que os in natura e minimamente processados.
É possível virar esse jogo se a reforma tributária considerar quatro aspectos: 1 - maior tributação para ultraprocessados e outros itens nocivos, como tabaco, bebidas alcoólicas e agrotóxicos; 2 - destinação dos recursos ao SUS para tratamento de doenças associadas; 3 - fim da concessão de subsídios a esses produtos, como ocorre hoje com os refrigerantes na Zona Franca de Manaus; 4 - tributação favorecida para alimentos saudáveis —frutas, verduras, arroz.
Esse último ponto segue diretrizes apontadas pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde. Além disso, a medida poderia representar o fim de distorções que fazem, por exemplo, o macarrão instantâneo entrar na cesta básica de alguns estados com alíquota de PIS/Cofins menor que a do suco de fruta integral.
Podemos aprender com a experiência da Colômbia. No ano passado, o país aprovou uma reforma tributária com impostos para bebidas e alimentos ultraprocessados. A indústria chegou a alegar que a mudança levaria ao desemprego. Mas organizações como o centro de estudos Dejusticia apresentaram evidências provando o contrário.
No Brasil, temos estudos apontando para a mesma direção. Uma simulação da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) mostrou que a alíquota de 20% sobre bebidas açucaradas aumentaria a procura por itens menos tributados e mais saudáveis, promovendo crescimento econômico e criação de empregos.
O novo sistema tributário colombiano prevê impostos mais altos para bebidas açucaradas, ultraprocessados ou fórmulas com mais de 10% das calorias provenientes de açúcares livres ou gordura saturada. A regra passa a vigorar em novembro. A indústria, no entanto, acionou a Justiça contra a decisão.
Por aqui, a pressão da indústria suscita o risco de retrocesso no acesso à alimentação saudável. Além da possibilidade de não se assegurar o imposto seletivo, receia-se até mesmo uma redução nas alíquotas dos ultraprocessados.
No último dia 6 de junho, o grupo de trabalho da reforma tributária na Câmara dos Deputados apresentou um relatório. A proposta não especifica os produtos alvo do imposto seletivo nem cita os ultraprocessados. Aventou, ao menos, a manutenção do tratamento diferenciado para a cesta básica.
Temos a expectativa de que a medida dê prioridade para alimentos in natura e minimamente processados. A vinculação dos recursos à saúde, que seria outro avanço, foi ignorada.
Esperamos que o novo texto da reforma, a ser apresentado ainda neste mês, esteja alinhado à movimentação que se dá em todo o mundo, especialmente em nossa região, para garantir que o direito à saúde e à alimentação saudável prevaleça sobre interesses econômicos.
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