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Diego Nunes

O Brasil deve endurecer as penas para crimes contra a democracia? NÃO

Aperfeiçoar a legislação criminal não significa prever punições mais graves

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Diego Nunes

Doutor em ciências jurídicas pela Universidade de Macerata (Itália), é professor de história do direito penal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); organizador do livro “Crimes contra o Estado Democrático de Direito” (D’Plácido)

Os crimes contra o Estado democrático de Direito apresentados no Código Penal são recentes. A lei 14.197/2021 revogou a LSN (Lei de Segurança Nacional) de 1983, um entulho autoritário da ditadura.

Apesar de muitas tentativas de substituição desde a redemocratização, levou-se quase 40 anos para eliminar um modelo anacrônico de criminalização política. Foi o uso da LSN antagonizado pelo último presidente, de um lado, e pelo Supremo Tribunal Federal, de outro, que levou o Congresso, em regime de urgência, a finalmente publicar a nova lei.

Dois grandes méritos da lei 14.197/2021, ressaltados por parlamentares, juristas e sociedade civil, foram justamente a redução da quantidade de crimes dispostos sobre o tema e a brandura das penas impostas a esses delitos. Porém, o 8 de janeiro e as tentativas de punição aos envolvidos têm desafiado a Justiça; e o Brasil, mais uma vez, padece por reagir a tragédias com mudanças no papel, não na prática.

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Destruição no prédio do STF após vândalos atacarem as sedes dos três Poderes - Pedro Ladeira - 11.jan.23/Folhapress - Folhapress

No "Pacote da Democracia", anunciado pelo governo em 21 de julho, foi apresentado um resumo sobre o aperfeiçoamento do capítulo referente aos crimes contra a democracia. Ali eram propostas penas mais severas para lideranças e financiadores de atos antidemocráticos, além de prisão de até 40 anos nos casos de assassinato de autoridades da República. Dias depois, diante da íntegra do projeto de lei 3.611/2023, percebeu-se que as penas para os novos crimes de incitação e financiamento não eram tão altas. E desapareceu a pena majorada para o homicídio dos chefes dos três Poderes. Em vez desses crimes, já puníveis de algum modo pela lei, seria mais produtivo a incriminação de propaganda antidemocrática, especialmente via internet.

A criação de delitos e causas de aumento de pena para aqueles já existentes produz o sério risco de exagerar o tempo de condenação, por associar crimes que podem ser redundantes, como o financiamento do golpe de Estado e a tentativa de golpe por si só. O projeto parece querer reduzir a margem de interpretação dos juízes, em uma tentativa de estabelecer escala prévia de gravidade das ações criminosas. Assim também ocorre no aumento de pena para funcionários públicos e na correspondente perda de cargo, disposições que procuram suplantar um dos vetos presidenciais à lei. No caso da perda de cargo, o projeto erra ao impor a sua perda de forma automática, sem que se determine a duração da condenação e sem fundamentação judicial, como nos demais crimes.

Uma novidade do pacote foi a previsão de multa nos casos de tentativas de abolição do Estado democrático e de golpe de Estado. Os danos causados ao patrimônio público durante a insurreição na Praça dos Três Poderes, incluindo obras de arte, motivaram o Poder Executivo a tal proposição. Em geral, não se prevê pena de multa para crimes políticos, pois na tradição liberal a pena imposta aos criminosos dessa natureza não teria como objetivo reeducá-los ou torná-los exemplo, mas, apenas, neutralizar a ação excessiva até que a situação política estivesse sob controle.

As propostas do governo vieram devido aos episódios do 8 de janeiro. Todo aperfeiçoamento é bem-vindo, mas aumentar a pena na lei não tem efeito dissuasório relevante. Crimes desta natureza, ademais, são punidos como atentados, pois a sua consumação impediria a punição, já que os golpistas não puniriam a si mesmos. Por isso, as penas já previstas na lei vigente são por si só graves.

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