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Felipe Krause

É hora de um diálogo regional sobre a política de drogas

Pacto entre países americanos permitiria impulsionar reformas globais

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Felipe Krause

Cientista político, leciona no Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Cambridge

Os países americanos estão há décadas engajados em uma interminável "guerra às drogas". No entanto, estudos recentes mostram que a estratégia de proibição causa dezenas de milhares de mortes por ano, provoca o superencarceramento e contribui para o colapso do sistema de segurança pública, sem produzir qualquer redução significativa no consumo ou na circulação das drogas ilícitas. Para dar uma ideia do custo desse desastre, de acordo com novo estudo do Ipea, anualmente quase 1% do PIB brasileiro é desperdiçado.

O sistema proibicionista e suas leis punem desproporcionalmente comunidades marginalizadas, em especial a população negra. Além disso, desviam recursos que poderiam contribuir mais efetivamente para o necessário desenvolvimento da região e para mitigar os efeitos nocivos do uso de drogas. Ou seja, o proibicionismo é caro e disfuncional.

Chegou a hora de discutirmos, como região, outro modelo. Alguns países da região lideram iniciativas importantes. Uruguai e Canadá legalizaram o uso recreativo de cânabis, e 21 estados nos EUA adotaram medidas semelhantes. No México e em mais nove países, inclusive o Brasil, a cânabis medicinal já foi legalizada e sua regulamentação avança de maneira surpreendente. Trata-se de um possível primeiro passo para a plena legalização da planta, com benefícios para pacientes e a eliminação de fontes de renda do crime organizado.

Há outros experimentos: a Colômbia, um dos principais produtores mundiais de cocaína, sinaliza a intenção de revisar o modelo repressivo no futuro, e o Brasil regulamentou a ayahuasca, chá tradicional que contém DMT, substância psicodélica com potencial no tratamento psiquiátrico.

A falta de cooperação regional, no entanto, prejudica o progresso. Um esforço coordenado permitiria compartilhar melhores práticas e impulsionar a busca por reformas globais, sobretudo na ONU. Nesse sentido, um pacto regional sobre reforma da política de drogas colocaria as Américas na vanguarda de um dos temas mais prementes em matéria de direitos humanos, saúde e segurança pública.

A região tem exemplos de colaboração bem-sucedida na área. A Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, de 2009, foi composta por ex-presidentes do Brasil, México e Colômbia e demandou "quebrar o tabu" e implementar políticas mais eficientes, fundamentadas no respeito aos direitos humanos. A Organização dos Estados Americanos também tratou do tema. Após a Cúpula das Américas de 2012, a OEA produziu um relatório abrangente que sugeriu tratar as drogas sob uma perspectiva de saúde pública, não apenas penal.

O Hemisfério Ocidental chegou a uma encruzilhada crítica na política de drogas. O modelo atual não funcionou, e uma nova abordagem é necessária. Diante do progresso insuficiente alcançado na ONU, é hora de reviver essas discussões. A região já mostrou capacidade de inovação e experimentação, mas é preciso coordenar esforços.

Ao convocar um diálogo regional sobre a reforma da política de drogas, os países americanos poderiam traçar um novo caminho baseado em evidências, direitos humanos e saúde pública. A guerra global às drogas teve seu começo nas Américas. A região deve liderar os esforços para garantir seu fim.

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